SETOR DE COMBUSTÍVEIS Instabilidade, desorganização, irregularidades e… ameaças

O SETOR VIVE HOJE UM MOMENTO PARTICULARMENTE TUMULTUADO, EM QUE ÀS IRREGULARIDADES PREEXISTENTES, SIGNIFICATIVAS MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO, ESPECIALMENTE TRIBUTÁRIAS, SE ALIAM A AMEAÇAS DE PUNIÇÕES INJUSTIFICADAS TRAZENDO GRANDE APREENSÃO À REVENDA

Se planejamento de longo prazo já não era prática habitual no Executivo Federal, a alta do dólar e dos preços internacionais do petróleo acabou por aumentar ainda mais a imprevisibilidade no setor de combustíveis no Brasil. Em ano eleitoral, na afobação para ver os preços internos caírem e sem consulta prévia aos diferentes elos da cadeia de importação, produção e comercialização, medidas provisórias – e até mesmo leis – são editadas e projetos de lei são votados sem ponderar sobre aspectos tributários e efeitos nocivos sobre o mercado.

Junto com isso, os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – continuam em conflito, causando grande expectativa e instabilidade institucional.

Parece que os carros seguem acelerados adiante dos bois. Ao editar medidas intempestivas que visam conter ou reverter a alta dos preços dos combustíveis, o governo peca em não lhes dar a sustentação legal necessária. Exemplos? A venda direta de etanol das usinas para postos e cooperativas – apesar de já ter se mostrado inócua – entrou em vigor antes de ter equacionada a questão tributária. E, ainda, a lei que obriga os postos a divulgarem os preços antes e após a redução do percentual de ICMS, que também é contestada no STF (Supremo Tribunal Federal) por, entre outros motivos, interferir no livre mercado e ser considerada inconstitucional.

Também foram zeradas as alíquotas do PIS/Cofins e da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) incidentes sobre as operações com gasolina e etanol, inclusive importados. Mas a redução vale somente até 31 de dezembro deste ano.

Quanto às alterações relacionadas ao ICMS, um imposto estadual, realizadas pelo governo federal, a medida que trata do tema (Lei Complementar 194) esbarra em limitações jurídicas e estão sendo questionadas no STF, o qual pode suspender sua aplicação.

Também a compensação dos estados ainda é alvo de discussão do Legislativo, já que o Executivo suprimiu esse aspecto na lei.

Todavia, ainda que a arrecadação nos estados caia, o que pode comprometer seu planejamento e investimentos em áreas essenciais, tudo indica que em parte essa diminuição da receita poderá ser contrabalançada. O presidente do ICL (Instituto Combustível Legal) Guilherme Theophilo destaca que houve receita extra de ICMS em 2021. Além disso, com a definição de um valor fixo, em reais para as alíquotas do tributo (ad rem), a cobrança monofásica e a uniformização e limitação do percentual, ele acredita em acentuada redução da sonegação sobre combustíveis.

Porém a monofasia ainda não abrange o etanol.

(Veja mais na Entrevista publicada nesta edição.)

Paliativos

E a despeito das incertezas no campo institucional e quanto ao dólar e aos preços internacionais do petróleo, o fato é que, com a redução de impostos federais e estaduais os preços da gasolina e do etanol caíram, dando uma pequena trégua à elevação da inflação. O mesmo, no entanto, não ocorreu com o diesel, produto já bastante enxuto, em se tratando de carga tributária, em comparação com outros combustíveis.

Daí que no chamado ‘pacote de bondades’ do governo federal, ratificado pelo Legislativo, estão compensações para caminhoneiros e taxistas, a serem pagas em parcelas até o fim de 2022.

Este ano, o teto de gastos deixou de existir. O que vem pela frente em termos econômicos não parece ser muito animador, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Depois do impacto resultante da pandemia da Covid19, veio a invasão da Ucrânia pela Rússia, conflito que parece longe de terminar e que tem afetado drasticamente a economia mundial, a brasileira inclusive.

Isso significa que as oscilações do petróleo podem continuar, assim como a flutuação do valor do dólar frente ao real e suas implicações macroeconômicas.

Mas, a despeito dos efeitos locais nocivos e em respeito aos princípios neoliberais, o alinhamento dos preços internos com os preços internacionais do petróleo e dos combustíveis parece ser intocável.

Porém ninguém parece atentar para o fato de que o governo federal, como sócio majoritário da Petrobras, muito tem se beneficiado com a alta dos combustíveis. Dados da empresa, divulgados pela CNN em 31 de maio, mostram que “entre 2020 e o ano passado o repasse ao grupo de controle, formado pela União e outros entes federais, como o BNDES, saltou de R$ 2,5 bilhões para R$ 27,1 bilhões, um aumento de quase 1.000%. Já neste ano, a parcial até julho é de R$ 32 bilhões”.

Esses dividendos poderiam ser utilizados para diluir os preços dos combustíveis internamente, não?

Ainda é importante lembrar que a moeda brasileira é o real e não o dólar, a libra ou o euro. A gasolina custava em abril, US$2,111, no Reino Unido; US$1,897, na Itália; US$1,187, nos EUA; e US$ 1,552, no Brasil, onde a renda per capita é bem menor do que a desses países.

Além disso, o custo de extração do petróleo e de produção de combustíveis por aqui é inferior ao valor internacional dessas commodities. Não é possível fazer um mix de preços levando em conta, proporcionalmente, os custos internos e externos do óleo e seus derivados?

Ao pé da bomba

E nesse destempero de preços e legislações, depois da queda estrondosa do consumo no ápice da pandemia e da lenta recuperação, o posto de revenda de combustíveis, elo mais próximo do consumidor e das manchetes, segue sem ser ouvido. A sonegação, a adulteração e o roubo de produtos continuam, causando concorrência desleal e estreitando a margem já reduzida da maioria, ou seja, dos revendedores idôneos.

O mesmo efeito é gerado pela competição desigual com cooperativas e pela ingerência disfarçada da distribuição no segmento, em que uma mesma distribuidora pratica preços de venda diferenciados para postos independentes e da própria bandeira próximos, beneficiando alguns em detrimento de outros.

Alvos de fiscalização severa, agora os postos podem ser vitimados pelo Decreto 11.121/2022, que, ferindo o princípio do livre mercado, determina que informem aos consumidores, de forma ostensiva e precisa, os preços dos combustíveis praticados no estabelecimento em 22 de junho de 2022, dia imediatamente anterior à entrada em vigor da Lei Complementar 194/2022, que alterou as alíquotas do ICMS.

Agredindo o mesmo princípio, postos de estrada são instados a oferecer gratuitamente suas dependências, como estacionamento de caminhões, mesmo que seus motoristas se utilizem de toda a estrutura disponível, com banheiros e chuveiros e não adquiram nem produtos nem serviços do estabelecimento.

Não está mais do que na hora de dar um basta nisso? O momento é de união de forças, revendedor, pois somente assim, com entidades fortes, apoiadas pela categoria, é que esta poderá ser ouvida e auxiliar na busca de soluções, junto às autoridades e mesmo a outros segmentos, para minimizar e até resolver de uma vez os problemas que a afetam e ao setor como um todo.

A hora é agora!

Obs.: Esta matéria foi concluída em 18 de julho de 2022.

Por Cristiane Collich Sampaio