ICL: Em busca da ética e de um mercado saudável

ASSERTIVIDADE NA FISCALIZAÇÃO, LEGISLAÇÕES MAIS SEVERAS, SIMPLIFICAÇÃO TRIBUTÁRIA E CARACTERIZAÇÃO DO DEVEDOR CONTUMAZ  ÃO AS PRINCIPAIS BANDEIRAS DA ENTIDADE, SEGUNDO SEU PRESIDENTE GUILHERME THEOPHILO.

Guilherme Theophilo, presidente do Instituto Combustível Legal

A cada ano, conforme cálculo da Fundação Getúlio Vargas, cerca de R$ 14 bilhões em tributos sobre combustíveis são desviados para quadrilhas espalhadas pelo país, desfalcando os cofres estaduais e federais e fomentando a concorrência desleal no setor.

Foi com o propósito de combater essas e outras irregularidades que, em 2016, era criado o ICL, Instituto Combustível Legal, com o apoio de petroquímicas e distribuidoras de combustíveis como ALE, Ipiranga, Petrobras e Raízen, e de instituições públicas e privadas, como Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Firjan e Fiesp (federações das indústrias do Rio de Janeiro e de São Paulo), entre outras. Entidades da revenda, como o Sincopetro, também são parceiras do ICL nessa luta pela ética no setor.

Aqui, a revista Posto de Observação traz a palavra de Guilherme Theophilo, que preside a entidade desde abril de 2021. Nesta entrevista, ele fala dos propósitos do instituto, de suas ações e vitórias e analisa os efeitos das recentes mudanças tributárias sobre o setor.

Posto de Observação – Poderia comentar as principais bandeiras e conquistas do ICL?

Guilherme Theophilo – A entidade se propõe a combater o comércio irregular, promover esclarecimentos sobre o setor e fomentar a concorrência leal. Esses princípios ficam explícitos em nossas bandeiras: fundamentalmente, assertividade na fiscalização, legislações mais severas para coibir fraudes tributárias e operacionais, simplificação tributária e caracterização do devedor contumaz. A recente uniformização tributária entre os estados – reconhecendo, evidentemente, a ação conjunta com diversos órgãos e entidades para o alcance desse resultado – pode ser considerada como uma grande conquista. Além disso, durante esses anos, o ICL realizou esclarecimentos e facilitou interlocuções entre agentes, buscando soluções conjuntas e contribuindo para forças-tarefas e apreensões mais assertivas. Também fez um forte trabalho com a mídia, enfatizando a importância do reestabelecimento da concorrência saudável para o mercado, os consumidores e, consequentemente, para o Brasil.

P.O. – O que impede que os projetos de lei apresentados e defendidos pelo ICL há anos – sobre punição severa ao roubo de produtos e o que caracteriza e tipifica o devedor contumaz, entre outros – entrem em votação?

Theophilo – Toda e qualquer mudança legislativa é complexa. Os projetos de leis defendidos pelo ICL surgiram da observação de práticas dolosas e com baixa punibilidade contra o erário, empresários e os consumidores. Uma vez identificado e discutido amplamente o problema, é possível determinar punições adequadas para coibir essas práticas. Considerando que esses dois projetos já passaram por todas as fases, é necessária apenas sua apreciação e votação. Precisamos colocar esses projetos como pauta urgente, para diminuir os problemas de roubo e sonegação não somente no setor de combustíveis, mas em todos os setores que sofrem dos mesmos problemas.

P.O. – As recentes medidas envolvendo o ICMS incidente sobre os combustíveis poderão reduzir a sonegação e os preços finais dos produtos?

Theophilo – A monofasia, associada à uniformização das alíquotas e à adoção da alíquota ad rem (valor fixo em reais por litro), será um passo importante para a redução da sonegação e inadimplência fiscal. A uniformização tributária possibilitará eliminar práticas irregulares, como a simulação de vendas interestaduais fictícias e de vendas de produtos similares, e vendas por empresas de fachada, impactando diretamente na arrecadação dos estados. Além disso, a alíquota ad rem contribuirá no controle arrecadatório dos estados, gerando maior previsibilidade orçamentária. E, ao minimizar as perdas fiscais, essa correção poderá até mesmo gerar redução do tributo e dos preços finais, que são livres.

P.O. – A Lei Complementar 194, de 2022, foi sancionada recentemente, mas com vetos. Acredita que, se estes forem reafirmados no Congresso Nacional, haverá empecilhos para o cumprimento da nova lei?

Theophilo – Essa lei, que limita a cobrança do ICMS sobre produtos e serviços essenciais à alíquota mínima de cada estado, que varia entre 17% e 18%, é uma medida emergencial para este período crítico, de julho a dezembro/2022. Os vetos estão associados à possível compensação financeira para os estados. Importante lembrar que variações de preço provocam efeito cascata em todos os produtos: quanto maior o preço do diesel/gasolina, maior o gasto de transporte, que, por sua vez, impacta no preço dos alimentos e outros itens. Se os vetos forem reafirmados, os estados precisarão ajustar suas despesas, lembrando que parte desses valores poderia ser recuperada se for reduzido o índice de sonegação e inadimplência do setor. Outra parcela poderia ser compensada pela receita extra de 2021, que teve incremento de 35% em relação a 2020. Fato é que tanto estados quanto União também deve contribuir para reduzir impactos econômicos e inflacionários.

P.O. – A esperada redução da sonegação gerada pela limitação do ICMS poderia compensar, ao menos em parte, as perdas dos estados?

Theophilo – Sim. Uma vez que a sonegação é mais presente em setores com elevada tributação, se espera que parte dessas fraudes tributárias compense os efeitos da limitação do ICMS, considerando a perda do interesse dos grupos organizados e empresas/ empresários mal-intencionados. Os devedores contumazes acumulam dívidas anuais que superam R$ 14 bilhões, são mais de 100 bilhões inscritos em dívida ativa. Se o ‘prêmio’ for reduzido, isso desmotivará a sonegação, destinando mais receita para estados e União.

P.O. – A nova lei, todavia, não se aplica ao comércio do etanol hidratado. Qual a proposta do ICL para evitar a sonegação também nesse produto?

Theophilo – O etanol hidratado possui matriz tributária ainda mais complexa do que a da gasolina e do diesel, sendo tributado em dois momentos, na produção e na distribuição. O ICL defende a simplificação tributária para todos os produtos, pois não é possível ter tratamento distinto para produtos similares ou substitutos. Entretanto, até que se tenha as mesmas regras, o ICL investe em ações de inteligência, contribuindo com os órgãos de fiscalização, buscando desmotivar operações que provoquem a concorrência desleal.

P.O. – Qual sua opinião sobre a venda direta de etanol hidratado de usinas/destilarias de etanol para postos?

Theophilo – O ICL entende que a venda direta não trará benefícios para a maioria dos postos, isso porque 95% deles estão distantes das usinas, sendo necessária armazenagem e, ainda, transporte para longas distâncias. Independente das questões logísticas, a maior preocupação da venda direta está associada à garantia de recolhimento do tributo, considerando que a parcela da distribuidora necessita ser regularizada pela usina ou pelo posto. Cabe a cada estado a regulamentação, prevendo o pagamento do tributo para garantir isonomia entre as diferentes formas de comercialização do produto.

P.O. – Quais as propostas do ICL para conter a adulteração?

Theophilo – Existem diversas leis para coibir essas práticas. Entretanto, como as punições são brandas, isso motiva grupos criminosos a ofertarem produtos clandestinos, roubados e misturados. O ICL trabalha para aprimorar essas leis, tornando- as mais severas, pois o crime não pode compensar. Outro ponto complementar nesse combate é o apoio aos órgãos de fiscalização. O ICL os motiva a realizarem forças- -tarefas permanentes e dedicadas a cada região e suas especificidades.
Obs.: Esta entrevista foi realizada no dia 6 de julho de 2022.

Por Cristiane Collich Sampaio