COMBUSTÍVEIS, Um setor em franca transformação

ALÉM DE UMA SÉRIE DE NOVAS REGRAS, A CHEGADA DA MONOFASIA TRIBUTÁRIA E AS EXPECTATIVAS QUANTO À REFORMA TRIBUTÁRIA
TORNAM O FUTURO AO MESMO TEMPO PROMISSOR E INCERTO

No Congresso Nacional e no Palácio do Planalto encontra-se o condão que deve definir a nova estrutura tributária do país que, espera-se, deverá simplificar a estrutura de impostos, impulsionar a economia e aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. No momento, depois de alterada pela Câmara dos Deputados, a proposta do Executivo se encontra em análise no Senado Federal. Como é quase certo que sofra mudanças nessa casa, provavelmente ainda voltará à Câmara, antes de ser promulgada. E, depois, ainda virá a regulamentação dessa reforma, prevista para ser colocada na pauta da Câmara só em fevereiro de 2024, após o recesso de fim de ano do Legislativo.

Aqui não é o caso de repetir o que, de forma detalhada, a imprensa nacional já vem divulgando, mas vale destacar a lenta e gradual migração da cobrança da origem para o destino e unificação de tributos no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, não cumulativo e sem incidência em cascata. O IVA será dividido entre a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – de responsabilidade da União, que unifica PIS/Cofins e IPI – e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), arrecadado por estados e municípios, que substitui o ICMS e o ISS.

Mas ainda que combustíveis e lubrificantes venham a ser regidos por estrutura tributária específica a ser futuramente estabelecida, o setor já conta com algumas certezas: foi determinada a cobrança monofásica (em uma única etapa da cadeia), alíquotas uniformes (para evitar a guerra fiscal) e possibilidade de concessão de crédito para o contribuinte.

MONOFASICO, AD REM, UNIFORME E NA ORIGEM

Aliás, um passo importante para frear a sonegação no setor – estimada em R$ 14 bilhões/ano – foi dado este ano, com a entrada em vigor das Leis Complementares nº192 e 194/2022. A nova regra, que determinou a aplicação da monofasia do ICMS e demais impostos sobre o diesel em 1º de maio e sobre a gasolina em 1º de junho, com alíquotas uniformes em reais (ad rem) e incidência única na origem, era uma antiga reivindicação do setor para acabar com a concorrência desleal.

Para Emerson Kapaz, presidente do ICL (Instituo Combustível Legal), com essas leis, “a reforma do setor está praticamente pronta, bastando chegar a um consenso com relação ao etanol”. Assim, a partir da entrada em vigor desse novo sistema de arrecadação, as irregularidades tributárias tendem a desaparecer. “Isso deve acabar com a sonegação que se tem em toda a cadeia de comercialização, com a ‘barriga de aluguel’ etc., e será mais fácil fiscalizar esse mercado”, declara, já que bastará fiscalizar refinarias, unidades petroquímicas e a importação, que são os elos de incidência e arrecadação dos impostos. Segundo ele, a legislação vigente reuniu na alíquota ad rem e monofásica todos os tributos incidentes sobre o diesel e a gasolina – ICMS, PIS e Cofins – e, diferentemente do que propõe a reforma tributária geral, a cobrança se dará na origem e não no destino.

“Por isso, nossa negociação se deu diretamente com o Ministério da Fazenda, para que, na reforma tributária, o setor de combustíveis, que hoje representa 10% do PIB, fosse contemplado rapidamente. Essa reforma setorial está praticamente pronta; só falta definir a tributação com os agentes do etanol, usinas e destilarias”, salienta.

Murilo Genari Barco, diretor comercial da Valêncio Consultoria, aponta outro aspecto positivo da atual regra tributária. “Essa é uma simplificação importante, pois toda a arrecadação fica concentrada no produtor/ importador, eliminando os demais elos da cadeia, e que também descomplica as operações interestaduais, nas quais se deveria recolher a diferença dos impostos entre os estados. Com a mudança isso deixa de existir, bem como a guerra fiscal entre estados, pois todos passaram a ter um mesmo imposto.” Para ele, essas mudanças podem, sim, ajudar diminuir a sonegação, mas não zerar, uma vez que, até o momento, “o etanol permanece fora dessa equação”.

DEVEDOR CONTUMAZ E FISCALIZAÇÃO

Já a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), criada para funcionar como um colchão, para amortizar impactos da variação do preço internacional do petróleo e de derivados nos preços internos, foge desse arcabouço. “A Cide não é um imposto e precisamos ver se o atual presidente da Petrobras vai desejar usá-la para minimizar eventuais impactos”, complementa Kapaz, que hoje integra a CTAE (Comissão Temática de Assuntos Econômicos) do CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável), órgão consultivo da Presidência da República.

No bojo da luta do ICL contra a sonegação também está a aprovação do PLS nº 164/2022, do então senador Jean-Paul Prates (hoje presidente da Petrobras), que atualmente transita no Senado. Trata-se da caracterização do devedor contumaz, que usa a sonegac¸a~ o de impostos como estrate´gia de nego´cio. “Essa caracterização vai ajudar muito no combate a sonegadores, fraudadores, aos devedores profissionais, que usam a sonegação como forma de competição. Isso facilitaria o trabalho da Receita Federal, na criação de ações especiais de fiscalização nessas empresas”, comenta.

Ele acredita que a monofasia, com a incidência de imposto somente na origem, irá facilitar a fiscalização, pois, ao invés de ter de inspecionar 45 ou 48 mil agentes, esse número se reduz a cerca de 30, apenas. “Aí, sim, será possível cobrar uma ação mais efetiva da fiscalização da agência reguladora (ANP), para que se possa ter livre competição.” As forças-tarefas de fiscalização, a seu ver, são eficazes e importantes quando é preciso haver coordenação entre os entes de controle de cada estado. “O ICL vem trabalhando em conjunto com os órgãos. A ideia é que nos ajudem e que também possamos ajudá-los, dado que no instituto reunimos uma série de informações, como um radar e o fato de os próprios associados nos encaminharem informações importantes.”

O ICL tem hoje um trabalho de monitoramento, inteligência e análise dessas informações, que se transformam em denúncias enviadas tanto para órgãos isolados quanto para forças-tarefa, sendo que essas últimas têm respostas mais efetivas. “É preciso que haja leis punitivas que dificultem a reincidência nos crimes. Por isso trabalhamos nas duas frentes: a criação dessas forças-tarefa e, junto ao Legislativo, a aprovação de leis que sejam aplicáveis por essas forças, pois de nada adianta a todo o momento pegarmos os infratores para que paguem sua punição apenas com cestas básicas. É preciso que desapareça essa sensação de impunidade, fruto de liminares, recursos etc., que geram milhões em dívida ativa.”

“Mas a instituição ainda terá de combater adulteração, fraudes operacionais e roubo de cargas, desafios que já vem enfrentando”, lembra o presidente do ICL, aplaudindo a nova regulamentação do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) para bombas de combustível, que procura coibir fraudes volumétricas, como a da ‘bomba baixa’. No entanto, pondera sobre os custos desses novos equipamentos para os postos e sobre a necessidade de linhas de crédito específicas para a substituição dos antigos e de prazo para que novos fornecedores se adéquem às exigências do órgão, aumentando a competição, que levaria à queda dos preços.

Na avaliação do representante da instituição, a melhoria do mercado só vai se dar quando houver leis com punições exemplares, fiscalização eficiente e a valorização das empresas sérias, que são hoje mais de 80% do setor.

Por Cristiane Collich Sampaio