por Márcia Alves A reportagem sobre fraudes em bombas de combustíveis levada ao ar pelo programa de televisão Fantástico, no último dia 8 de janeiro, causou desconforto à grande maioria dos revendedores do país – a quase totalidade da categoria, que é avessa à prática de golpes e artimanhas para lucrar mais. Divulgada com estardalhaço dias antes, a reportagem anunciava que mostraria como o consumidor “é roubado quando abastece o carro num posto de combustível”. Durante a exibição, o programa ainda afirmou que “o motorista sempre desconfiou” e “estava certo. Existe fraude em bombas de combustíveis”. Em seguida, arrematou: “Você compra a gasolina e não leva tudo o que paga. Ainda faz papel de bobo porque nem percebe que está sendo roubado”. O programa mostrou imagens que comprovaram, de fato, a prática de fraudes em bombas de combustíveis em algumas localidades do país. Entre os postos visitados pela reportagem, um vendia 1,46 litros a menos de gasolina a cada 20 litros abastecidos. Se por um lado, a denúncia do Fantástico foi benéfica ao apontar e ajudar a erradicar os maus elementos do setor, por outro, não se preocupou em distinguir o joio do trigo. Ao afirmar que “os postos estão praticando um novo tipo de golpe”, o programa transmitiu a ideia à população de que todos, e não apenas alguns poucos, agem à margem da lei. Os danos à imagem da categoria foram sentidos quase imediatamente. Em São Paulo, o sindicato da revenda, Sincopetro, recebeu inúmeras manifestações de revendedores indignados com o quase linchamento público de consumidores. Alguns relataram que clientes costumeiros dos estabelecimentos mudaram de comportamento, demonstrando grande desconfiança durante o abastecimento. Outros disseram terem sido alvo de chacotas de consumidores que questionavam onde o revendedor guardava o controle remoto. “Da forma como foi mostrado, parece que todos os revendedores de combustíveis fraudam bombas. Não é verdade. Existem bons e maus na categoria”, disse o presidente do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia. Para ele, é inadmissível que a maioria da revenda, que atua honestamente, recolhe seus impostos, gera empregos e respeita o consumidor, pague pelos erros de uma minoria. Ações de combate A repercussão das denúncias movimentou os órgãos de fiscalização de todo o país, incluindo o Ministério Público. No Paraná, onde a reportagem do Fantástico flagrou a empresa responsável execução das fraudes, o Ipem-PR adiantou que pretende testar um novo dispositivo de memória eletrônica (Eprom) das bombas de combustíveis. “É intenção dos órgãos fiscais e de defesa do consumidor tornar obrigatória a utilização desses dispositivos para garantir um controle mais efetivo do volume comercializado”, disse o diretor presidente do Ipem-PR, Rubico Camargo. Já o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), informou que contratou especialistas em informática para auxiliar no combate à fraude. “O Inmetro já tomou conhecimento desse assunto, há algum tempo, e vem desenvolvendo tecnologia nova com nossos pesquisadores para criar uma espécie de lacre eletrônico. Um mecanismo tal que se a bomba for mexida, alterada ou fraudada por um mecanismo de software, ou controle remoto, ou algo desse tipo, ficará um rastro. Não adiantará o fraudador retirar o mecanismo de fraude, porque o rastro vai ficar lá registrado”, disse Luiz Carlos dos Santos, diretor do instituto. Fraude conhecida Embora a reportagem tenha sido anunciada como exclusiva e inédita, na verdade, não é exclusiva e tampouco inédita. As fraudes mais comuns em bombas de combustíveis são conhecidas dos órgãos de fiscalização desde 2008. Já as mais sofisticadas, como as que adulteram a placa eletrônica da bomba, foram descobertas em 2010. (veja quadro). Em nota oficial de 10 de janeiro, o Inmetro informou: “Este tipo de fraude denunciado pela equipe do Fantástico já havia sido detectada por órgãos delegados do Inmetro e providências técnicas e administrativas têm sido tomadas, entre elas, a autuação de postos, interdição de bombas medidoras e comunicação ao Ministério Público, já em 2010”. Fraudes em menos de 1% das bombas Pode parecer aos olhos do consumidor que todos os postos roubam na quantidade de combustível abastecido, mas a realidade é que apenas uma minoria comete esse tipo de crime. De acordo com o “Relatório de Supervisão de Postos de Combustíveis 2011”, publicado pelo Ipem-SP, órgão delegado do Inmetro, referente ao período de 16 de fevereiro a 8 de novembro de 2011, dos 4.613 bicos fiscalizados em São Paulo, foram recolhidas 39 placas com suspeita de fraude - o que representa menos de 1% deste tipo de irregularidade em relação ao universo fiscalizado. “Até o presente momento esta fraude específica foi confirmada em 20 placas”, informou o Ipem-SP, que também registrou o descredenciamento de três oficinas de manutenção em bombas medidoras no estado. “A maioria dos revendedores é honesta e trabalha bem”, disse o diretor do departamento de metrologia legal e fiscalização do Ipem-SP, Paulo Roberto Lopes. Ele observou que o número de fraudes apuradas em relação à quantidade de bicos fiscalizados é muito pequeno. Lopes reconhece que as denúncias envolvendo uma parte ínfima da revenda de combustíveis arranharam a imagem de toda a categoria. “O problema é quem trabalha mal aparece mais”, disse. Por outro lado, ele admite que a exposição desses crimes pela televisão colabora com “a melhoria contínua da fiscalização”. Além de tornar o consumidor mais alerta em relação às fraudes no abastecimento de combustíveis, o diretor do Ipem-SP acredita que a repercussão das denúncias oferece lições à revenda de combustíveis. “Se o revendedor desconfiar que os preços baixos do posto vizinho são resultados de alguma irregularidade, deve denunciar aos meios competentes”, aconselhou. A evolução das fraudes 2008 - Kit “Bypass” Após ser medido e registrado pela bomba medidora, o produto passa por uma derivação instalada no tubo de saída do bloco medidor, liberado por uma válvula solenóide e retornado ao separador de ar da rotativa. Com o acionamento externo da válvula solenóide, parte do produto pressurizado é entregue para o cliente e outra parte desviada para o sistema. 2008 – “Kit Turbina” O dispositivo é composto por um gerador de pulsos, alimentado por uma fonte de 12 v, controle remoto com transmissor do tipo utilizado em portões automáticos. Essa fonte de energia é alimentada por uma corrente de tensão de 220 v. Ao ser acionado, o “Kit Turbina” gera pulsos adicionais aos gerados pelo "pulser" original do instrumento, desvirtuando assim as quantidades efetivamente entregues nos tanques de combustíveis dos consumidores. 2010 – “Jumpers” São alterações visíveis no circuito eletrônico das placas de bombas de combustíveis, para que funcionem por meio de controle remoto. Em alguns casos, a bomba de combustível é fraudada com a instalação de uma falsa placa eletrônica. O mecanismo irregular seria ligado e desligado – em caso de fiscalização – com simples toque no botão do aparelho. Quando acionado, a bomba injeta menos combustível do que consta no painel do equipamento. Fonte: Ipem-SP