Por Denise de Almeida

 

A fase P7 do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que estabelece níveis de emissões veiculares mais baixos, requer uma tecnologia mais sofisticada nos motores e exige um óleo diesel com baixo teor de enxofre, o S-50, entra em vigor em 1º de janeiro. Sem mais adiamentos.

Fabricantes de motores se dizem preparados. Frotistas e transportadores de carga se dizem preparados. Produtores e distribuidores se dizem preparados.  Mas e os revendedores? Estão preparados?

Em um país com quase 40 mil postos de combustíveis e 3,2 milhões de veículos movidos a diesel, introduzir um novo combustível na malha energética a partir de uma demanda estabelecida é, sem dúvida, um grande desafio.  Corroborado com a inaptidão dos órgãos governamentais em estabelecer previamente uma política clara sobre a distribuição e comercialização do produto, a eficácia do programa fica comprometida e os revendedores, mais uma vez, estão se perguntando quem é que vai pagar esta conta.

Praticamente ausentes das reuniões para definição do abastecimento do S-50,  os revendedores só foram consultados uma única vez ao longo desse processo, quando, em meados do ano passado,  a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis)  fez uma pesquisa de intenção  junto aos  38.148 varejistas do país sobre o seu interesse ou não em vender o diesel de baixo teor de enxofre.

O resultado, que deveria  servir de base para a implantação do programa, não foi efetivo e ainda trouxe informações desencontradas. Enquanto a assessoria de imprensa da agência afirmava que 3,4 mil postos manifestaram interesse pelo novo combustível, o diretor Allan Kardec Duailibe dizia que eles não passavam de  1,2 mil revendedores.

Ciente de que esse número seria insuficiente para atender a malha rodoviária do país e da iminência da entrada em vigor da nova legislação,  no último dia 2 de dezembro,  a Agência publicou resolução que obriga os postos de combustíveis a fornecer o diesel com baixo teor de enxofre,  S-50.

 

O que diz a resolução ANP

A imposição determina que todos os postos de combustíveis que possuírem número maior de bicos abastecedores de diesel do que a soma de bicos de gasolina e etanol deverão, obrigatoriamente, comercializar o diesel especificado.  A medida se aplica aos postos que disponham de, no mínimo,  dois bicos de óleo diesel, interligados a mais de um tanque de armazenamento.

Além disso, os revendedores que se enquadrarem nesse perfil e que possuam os tanques de armazenamento de diesel interligados a um mesmo sistema de filtragem devem, também obrigatoriamente,  realizar a segregação do referido sistema para atendimento à nova lei.  Às suas expensas e no prazo estipulado pela Agência,  também 1º de janeiro.

A resolução prevê ainda que,  para garantir o abastecimento dos veículos, a ANP pode,  excepcionalmente,  determinar a comercialização do diesel S-50 por estabelecimentos localizados em municípios que não ofereçam este combustível,  sendo que estes terão 60 dias para adequar-se com equipamentos, documentação e toda a estrutura que envolve a inclusão de um novo combustível na composição física do posto.

Tudo isso a menos de um mês da entrada em vigor da nova lei.

Apesar de atabalhoada decisão,  ela já havia sido anunciada pelo diretor da ANP, que afirmou meses atrás que, se necessário, usaria o poder para adequar a malha de postos ao plano de abastecimento desenvolvido pela agência.

Como  o cumprimento dessa etapa do programa se arrasta desde 2009 e os revendedores, ao longo desse período, pouco foram procurados para debater o tema e poder decidir  como melhor se adequar às exigências do novo combustível,  não é difícil prever algum impacto para a cadeia de comercialização do produto.

José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sincopetro, ressalta que, ainda que os revendedores se convençam de que o produto é um bom negócio, os custos com adequação do estabelecimento podem passar de  R$ 80 mil  “e não será compensado devido à baixa demanda pelo produto”, diz.  Há também  o aspecto burocrático,  com nova licença junto à ANP, ao órgão ambiental e prefeituras,  cuja emissão de documentos costuma ser bastante demorada. “Será impossível cumprir o prazo determinado pela resolução”, alerta.

 Isso sem contar que a baixa demanda pelo produto nesse primeiro momento,  segundo Gouveia,  além do prejuízo financeiro ao revendedor por manter o estoque sem circulação, pode acarretar em problemas com o produto em si.  “Imagine o combustível parado em um tanque de 10 mi litros enterrado no posto durante seis meses aguardando comprador?”,  questiona.

 

Mais dúvidas que certezas

Segundo a Petrobras,  o uso do diesel S-50 nos novos motores resultará na redução de, no mínimo, 80% da emissão de material particulado.  Aliado ao uso do Arla-32, o agente redutor líquido a base de ureia, a nova etapa do programa permitirá reduzir em até 98% a emissão de NOx (óxidos nitrosos),  um dos gases de efeito estufa. (veja matéria especial sobre o Arla-32 nesta edição)

O diesel S-50 começou a ser distribuído em 2009 para as frotas de ônibus de algumas regiões metropolitanas do estado de São Paulo, da região metropolitana do Rio de Janeiro, dos municípios de Curitiba, Porto Alegre,  Belo Horizonte e Salvador,  em janeiro, e,  alguns meses depois, nas regiões metropolitanas de Belém,  Fortaleza e Recife para todos os veículos movidos a diesel.

Infelizmente, entretanto, nesse momento em que  vai passar a abastecer todos os veículos pesados fabricados a partir de 2012,  restam mais dúvidas do que certezas a respeito do suprimento de diesel S-50 e Arla-32.  Ainda não se sabe se os dois produtos estarão amplamente disponíveis no mercado,  como o revendedor deve proceder para comercializá-los, o usuário ainda  não sabe ao certo os preços que serão praticados e também pouco se  sabe sobre as novas tecnologias e como proceder diante de imprevistos.

Os fabricantes de motores e veículos comerciais pesados afirmam que  estão prontos para encarar a nova legislação.  Já que, além do know-how trazido de suas matrizes no exterior,  há anos vêm desenvolvendo e testando seus novos  produtos, até em situações de abastecimento com produto inadequado, por exemplo.  As distribuidoras, no entanto, pouco se manifestaram sobre como deverão proceder junto aos seus revendedores.

 

Preço pode desestimular consumo

Em entrevista coletiva à imprensa realizada no Rio de Janeiro  em 05 de dezembro,  a Petrobras apresentou oficialmente o plano de abastecimento de sua rede de postos  e o seu Arla-32,  batizado  com o nome de Flua.  Segundo Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento, desde o primeiro dia da nova legislação  o S-50 estará disponível  em 900 postos da marca em todo o país.

Para tanto,  a companhia espera uma demanda de 5 milhões de metros cúbicos de diesel S-50 em 2012  a um preço de custo nas refinarias R$ 0,06 superior ao do S-500.  O Sindicom, sindicato que representa as distribuidoras de combustíveis, estima que o preço final ao consumidor poderá ser entre R$ 0,10 e R$ 0,15 maior do que o diesel metropolitano,  dependendo da região, o que pode desestimular o consumo.

Além do aspecto do preço elevado, Alísio Vaz,  presidente da entidade, demonstra outra preocupação.  Como o novo diesel tem 5% de biodiesel em sua composição, conforme determina a legislação, sua degradação é rápida, levando à formação de depósitos.  “É desagradável para as empresas, que têm uma marca a zelar, trabalhar com um produto dessa natureza, que não mantém suas características.  Da mesma forma que para os revendedores”, acredita.

 

Para entender o S-50 

 

A partir de 1º de janeiro, todos os caminhões e ônibus movidos a diesel fabricados no país devem estar equipados com motores dotados de tecnologia para atender ao Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve P-7).  O programa – equivalente ao Euro 5, que já vigora na  Europa e em outros países – prevê também que esses veículos sejam abastecidos com um diesel mais limpo, o chamado S-50,  que emite 50 partes por milhão de enxofre,  e que deve substituir o S-500 hoje comercializado na maior parte do Brasil, com um volume de enxofre dez vezes maior.

Instituído pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a nova fase do P-7 deveria ter entrado em vigor em janeiro de 2009, mas um acordo firmado entre Ministério Público Federal, Petrobras, ANP, Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e as empresas do setor automobilístico adiou essa data para janeiro de 2012.  Na ocasião,  os agentes se comprometeram também a executar um plano de abastecimento de óleo diesel de baixo teor de enxofre. 

 

Quatro tipos de diesel 

  

Neste ano de 2012, o Brasil vai conviver com, pelo menos, quatro classificações de óleo diesel, a partir de seus teores máximos de enxofre:  

 -  S1800,  antigo óleo diesel interior, com 1800 partes por milhão (ppm) de enxofre,  que deverá ser completamente eliminado do segmento rodoviário até o final de 2013;

 -  S500,  antigo óleo diesel metropolitano,  com 500 ppm de enxofre;

 -  S50,  com 50 ppm de enxofre, que deverá ser completamente eliminado do segmento rodoviário a partir de 1° de janeiro de 2013, e;

 -  S10,  com 10 ppm de enxofre.

Com isso, de acordo com o cronograma, a partir de 2014, o Brasil contará com apenas dois tipos de diesel: o S-500, para a região interior do Brasil, e o diesel S-10, para toda a região metropolitana, onde os veículos novos fabricados a partir de 2012 somente poderão abastecer com o diesel S-10.

Vale lembrar ainda que os óleos diesel de uso rodoviário classificam-se em óleo diesel A,  sem adição de biodiesel,  e óleo diesel B, adicionado de biodiesel no teor estabelecido pela legislação vigente,  atualmente  em 5%.