por Cristiane Collich Sampaio

Os revendedores de combustíveis idôneos, que são a grande maioria, desejam oferecer a seus clientes, além de atendimento atencioso, produtos de qualidade, para que se mantenham. O mesmo ocorre com distribuidoras que fazem pesados investimentos para divulgar sua marca e a excelência de seus combustíveis e de seus pontos de venda. Então, o que fazer quando as especificações oficiais de um desses combustíveis não garantem que sua qualidade permaneça inalterada ao longo da cadeia, prejudicando a imagem do setor, como é o caso do B5? Pior ainda é quando as empresas são autuadas pela baixa qualidade de uma substância sobre a qual não têm praticamente nenhum controle.

É sabido que o produto foi aprovado numa infinidade de testes antes de ser lançado no mercado. Porém, os resultados do acompanhamento de suas características em uma frota cativa, de testes, com controles extremos, em que a renovação dos produtos nos tanques de armazenamento é frequente, não podem ser tomados integralmente como referência quando passa a ser usado em larga escala, como ocorre hoje em todo o país.

De quando o biodiesel é produzido até sua chegada aos tanques dos veículos, misturado numa proporção de 5% ao diesel, seu percurso prevê várias etapas, em maior ou menor número e demandando maior ou menor tempo, dependendo das distâncias envolvidas. E quanto maior o número de etapas e o intervalo de tempo entre a produção e o consumo, entre outros fatores, maiores serão as probabilidades de o combustível perder suas propriedades originais, tornando-se opaco e permitindo a formação de resíduos e borra.

O estudo

Um estudo preliminar realizado este ano pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT) corroborou esses dados e apontou formas de reduzir a instabilidade do B5, parte delas ligadas ao aprimoramento das especificações tanto do biodiesel, como do B5.

Foi efetuado o monitoramento de características físicas e químicas ao longo das cadeias de produção, distribuição, revenda e consumo de biodiesel metílico de soja (B100) e da mistura B5 nos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. O coordenador do trabalho, professor Eduardo Homem de Siqueira Cavalcanti, do Laboratório de Corrosão e Proteção do Setor de Biocombustíveis do instituto, relata que foram coletadas 67 amostras a partir de tanques de dois produtores de B100, que foram levados por caminhões-tanques para uma base primária. Uma vez adicionado ao diesel e transformado em B5 foram seguidas duas rotas de coleta: a Rota 1 em que o B5 de uma base primária foi descarregado em um TRR e depois seguiu até as instalações de um posto de abastecimento (PA) e ao seu usuário final (maquinário consumidor). Uma segunda viagem (Rota 2) foi iniciada semanas depois a partir da mesma base primária, em que o B5 foi conduzida por caminhão-tanque até uma base secundária e, depois, a um posto revendedor. Todos os tanques tiveram amostras coletadas antes e depois de serem abastecidos com esses carregamentos, incluindo o de veículo consumidor final abastecido no posto.

Resultados preocupantes

Das 67 amostras colhidas, 64 foram analisadas. Das 28 de B100, sete estavam fora da especificação estabelecida na Resolução nº 07/2008 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No universo de 36 amostras de B5 analisadas, oito apresentaram não conformidade de acordo com a Resolução ANP nº 042/2009, com relação à limpidez e inexistência de resíduos, e, embora a legislação vigente não determine limites para o teor máximo de água na mistura, duas amostras apresentaram presença de água acima do limite de 200 partes por milhão (200 ppm), que é o teor máximo aceito pela norma aplicada na Europa. Porém a resolução estabelece que o teor de água e sedimentos seja inferior a 500 ppm.

Vale destacar que o estudo não contemplou o novo diesel S50, com menor teor de enxofre que os produtos comercializados até o final de dezembro, e nem o S10, que deverá entrar no mercado em 2014. Mas Cavalcanti faz um alerta para o fato de que “quanto menor o teor de enxofre e quanto maior o teor de água nas misturas maior seria a tendência de formação de sedimentos intrínsecos ao biodiesel e de borras, com sérios impactos em termos de operacionalidade, fluidez, filtrabilidade e comercialização da mistura e danos aos sistemas de filtragem em postos e em veículos e em sistemas de injeção de veiculares”.

Segundo o autor do trabalho, as rotas seguidas foram relativamente curtas e simples, não contemplando longos percursos e logísticas complexas. Ainda assim, ele relata: “Foi observada tendência de elevação do teor de água e agravo dos níveis de turvamento do B5 à medida que nos afastamos da base primária”.

Recomendações

Diante dessas constatações, ele relaciona uma lista de 14 recomendações, que começa com a disseminação de boas práticas de transporte, manuseio, descarregamento e armazenamento em todas as etapas da cadeia de produção e distribuição do biodiesel (de todas as origens), do diesel e do B5. É apontada a necessidade de aperfeiçoamento tecnológico do processo de produção de biodiesel, pelos fabricantes, e também de purificação e de aditivação do produto final pelo setor produtivo, assim como a adoção de práticas diferenciadas em bases e postos em que haja baixo giro de transferência e comercialização, superior a 30 dias, e introdução de aditivos multifuncionais de uso pontual.

Eduardo Cavalcanti também sugere a revisão das Resoluções ANP nº 7/2008 e ANP nº 042/2009, com a incorporação de parâmetros físico-químicos mais restritos. Na que trata das especificações do B100, ele propõe exigências mais rígidas quanto aos teores de glicerídeos, de água e de índice de estabilidade do produto.

Ele ainda que ressalta que essas modificações no B100 devem vir associadas à revisão das especificações do B5, com a inserção de valores máximos para o teor de água e mínimos para o índice de estabilidade oxidativa da mistura B5, como os já adotados na Europa (presentes na norma EN 590).

Além de sugerir a realização de estudos complementares, ele também recomenda o estabelecimento de um sistema futuro de certificação do biodiesel nacional, voluntária inicialmente, para garantir a qualidade do produto.

“Esse conjunto de sugestões tem como objetivo de reduzir o risco de formação de sedimentos e borras e o número de relatos de incidentes dessa natureza, que acabam por colocar em risco a imagem da mistura B5 para o mercado”, enfatiza.

Esse trabalho foi encomendado em conjunto pelas entidades da revenda, como o Sincopetro, presentes no grupo misto de trabalho sobre garantia da qualidade do B5, criado sob a coordenação da ANP.