por Denise de Almeida


 




Para Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) – entidade que representa os principais produtores de açúcar e etanol de São Paulo e região centro-sul do país, os quais respondem por 60% da produção brasileira de etanol –, o aumento da oferta de etanol no mercado brasileiro a partir de 2003, quando o consumidor brasileiro passou a adotar os carros flex, demonstrou a capacidade do setor sucroenergético de responder aos estímulos do mercado. Segundo ele, somente nos últimos cinco anos, o setor investiu mais de US$ 20 bilhões na construção e expansão de usinas, de forma sustentável e sem competir com a produção de alimentos.


Paralelamente, o reconhecimento do produto derivado da cana-de-açúcar como um combustível avançado também foi um avanço significativo para o setor, a despeito das barreiras tarifárias que tiram sua competitividade no mercado externo.


Entretanto, apesar do seu grande potencial internacional, no curto prazo, Jank ainda joga suas fichas no mercado doméstico, inclusive no combate às irregularidades que envolvem o produto. Acompanhe a entrevista exclusiva!



 


PO – Em que medida o reconhecimento internacional do etanol vai contribuir para o mercado dos combustíveis no Brasil?


Jank – De fato, mais e mais países têm iniciado programas visando o consumo de etanol em larga escala, com destaque para os programas americano e europeu, que têm como principais objetivos a redução da dependência do petróleo e o combate ao aquecimento global. A questão é que esses países produzem etanol a partir de produtos como o milho, trigo ou beterraba, o que coloca o nosso etanol, produzido a partir da cana-de-açúcar, num patamar de sustentabilidade econômica e ambiental muito superior àquele produzido nos países desenvolvidos. Isto representará uma grande vantagem competitiva para o nosso etanol.


Ainda enfrentamos barreiras, principalmente tarifárias, mas é certo que, em alguns anos, as exportações brasileiras do produto deverão ganhar uma escala significativa, o que leva à necessidade da continuidade dos vultosos investimentos que já vêm sendo realizados na expansão da produção nos últimos anos.


 


PO – O que os revendedores de combustíveis brasileiros podem esperar dessa nova fase do etanol?


Jank – O crescimento da oferta deverá continuar firme, após uma redução nos investimentos no ano passado em função da crise que impactou as economias globais. Apesar do grande potencial do mercado externo, ainda temos que trabalhar para a redução das barreiras tarifárias que tiram a competitividade do nosso etanol nos principais países consumidores e, portanto, no curto prazo, o mercado doméstico ainda deverá ser o principal motor deste processo, alimentado pelo crescimento da frota flex, que hoje já passa dos 11 milhões de veículos no país e representa mais de 40% da frota nacional. Outra novidade que começa a se tornar realidade é a diferenciação, com a oferta aos consumidores de tipos diferentes de etanol, como o aditivado que já está disponível em postos selecionados da rede da Shell. Sabemos que outras marcas têm produtos nessa linha em desenvolvimento.


 


PO – Quais são as projeções da Unica para exportação do produto?


Jank – Qualquer projeção que se faça depende muito de diversas circunstâncias, especialmente no tocante às exportações, pois isso depende fortemente do que acontecer nos principais mercados consumidores que são a América do Norte e a Europa. Nos dois casos, os mercados são protegidos por elevadas tarifas e diversas condições que ainda nem estão claramente definidas, que tem a ver com a sustentabilidade da produção do etanol. A definição dessas condições representa também um perigo, pois muitas vezes países utilizam esse tipo de parâmetro não porque desejam proteger o meio ambiente ou exigir certos padrões, mas porque querem, na verdade, criar mais obstáculos para impedir a entrada do nosso produto, que é mais eficiente e custa menos que o etanol que eles produzem internamente.


O potencial brasileiro para produzir e exportar mais etanol é muito grande, mas os números precisos dependem dessas e de outras variáveis. Potencialmente, podemos exportar muito mais do que exportamos hoje, talvez 3 a 4 vezes mais até o final da década se os mercados se abrirem. No mercado doméstico, a demanda é crescente devido ao sucesso do carro flex, e a indústria da cana está pronta para ampliar sua oferta conforme a necessidade. Potencialmente, é possível dobrar a oferta até 2020, ou até mais do que isso se, por exemplo, novas tecnologias que permitirão a produção do etanol de segunda geração forem viabilizadas. Aí, será possível produzir etanol não só da cana como também do bagaço e da palha.


 


PO – Como a Unica vê as fusões e aquisições do setor que ganham cada vez mais força?


Jank – O processo de consolidação do setor é uma tendência que já vinha se desenhando há alguns anos e foi intensificado no ano passado, um pouco em função da crise global, que também impactou o nosso setor. O setor sucroenergético ainda é muito fragmentado, com mais de 400 usinas em atividade no país controladas por cerca de 200 grupos econômicos. É natural que estes grupos busquem um grau maior de concentração para obter ganhos de escala e eficiência e os movimentos de fusões e aquisições que presenciamos desde o ano passado vão nessa direção. Apesar de toda a movimentação recente, os 10 maiores grupos ainda detêm menos de 30% da produção do país.



PO – Em sua opinião, o que pode ser feito para reduzir ou eliminar as fraudes no comércio de etanol?


Jank – A Unica tem apoiado todas as ações voltadas para o combate a esse tipo de problema, desde a adição de corante no etanol anidro para impedir seu uso como se fosse hidratado, a iniciativas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para diferenciar o anidro vinculado à compra de gasolina A pelas distribuidoras. Mais recentemente, temos o credenciamento das produtoras de etanol junto à Secretaria da Fazenda para a comercialização de etanol sem a incidência do ICMS sobre a cana-de-açúcar.


São medidas importantes em todos os casos, e saneadoras para o mercado. Entendemos que para ir além, todos os órgãos de acompanhamento do mercado, de todos os níveis governamentais, tem disponíveis as informações essenciais sobre a produção e comercialização de etanol por parte dos produtores, assim como o que é comprado pelas distribuidoras.


Vale frisar que a parcela mais importante da sonegação é conhecida, tendo em vista a diferença de volume entre o que os produtores declaram como venda às distribuidoras, e o que as distribuidoras de combustíveis declaram como venda aos postos. Pode-se dizer, então, que os números, a que todos têm acesso, comprovam quem está fazendo o quê nesse mercado.



PO – Como combater a venda direta de etanol pelas usinas?


Jank – A venda direta por usinas para postos não é permitida, portanto, se ela ocorre, é necessariamente uma venda irregular, sem emissão de nota fiscal e passível de punição. Podemos afirmar que praticamente todas as vendas dos produtores de etanol são concretizadas através de uma distribuidora de combustíveis devidamente credenciada pelos órgãos federais e estaduais e habilitada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP. Infelizmente, existe uma parcela pequena de distribuidoras sem capacidade financeira para conduzir seus negócios de forma adequada, que operam de forma a viabilizar a transação que evita tributos, negociando essencialmente com notas fiscais e gerando o que se pode chamar de uma inadimplência reconhecida. Ou seja, é possível identificar uma situação dessas com um exame cuidadoso das atividades desse tipo de empresa.  


 


PO – De que maneira a categoria da revenda pode contribuir para a solução do grave problema do mercado do etanol, que sofre não só com a adulteração, mas principalmente com a sonegação de impostos e venda de produto clandestino?


Jank – Com relação ao produto clandestino, não há outra saída que não seja uma intensificação do trabalho dos órgãos fiscalizadores e do cuidado do posto para não receber o produto sem nota fiscal. Com relação à qualidade do combustível, os níveis de não-conformidade do etanol comercializado no Brasil são muito pequenos, entre os menores do mundo, graças principalmente ao trabalho da ANP, que tem poderes para punir severamente esse tipo de infração.


O real problema que se constata, portanto, não está na qualidade do etanol e sim no nível de mistura do etanol à gasolina. E a mistura é sempre feita por uma distribuidora de combustíveis, não pelo produtor, nem pelo posto.


Quanto à questão da sonegação, o que realmente ocorre na maioria dos casos é o não-recolhimento do tributo de uma operação que é conhecida e está devidamente registrada, portanto é possível identificar que houve a transação, mas não o recolhimento. É fundamental que haja uma atuação mais dura sobre essas transações, já que esse problema pode ser facilmente e rapidamente identificado.


Vale lembrar que toda a atividade envolvendo combustíveis no Brasil é regulamentada de ponta a ponta. Portanto, se alguém tem o direito de exercer qualquer dessas atividades, e qualquer das partes não cumpre com sua responsabilidade de recolhimento de tributos, deveria haver uma legislação específica que permitisse a cassação do direito de exercer a atividade ligada a combustíveis.


 


PO – O que tem a dizer sobre a proposta de unificação das alíquotas do etanol?


Jank – Este é um pleito antigo do nosso setor. O atual sistema tributário, que permite alíquotas diferenciadas de ICMS por estado, gera uma forte distorção no mercado, penalizando o consumidor e produtor em diversas regiões. O efeito disso é a perda de competitividade em estados que exageram na cobrança do ICMS.


A unificação das alíquotas seria, sem dúvida, uma medida pró-consumidor. Temos nesse processo cinco partes envolvidas: produtor, distribuidor, revenda, os diferentes níveis de atuação do estado e o consumidor. O produtor precisa de preço que remunere suas atividades, a distribuidora e a revenda precisam de margens que remunerem sua atuação, o estado precisa ter tributos pagos e a condição de garantir níveis de qualidade e fornecimento, enquanto o consumidor precisa de preços competitivos e produtos em conformidade com certos padrões. É essencial que todos trabalhem juntos, unindo esforços e compreendendo que todos dependem de todos para que haja um crescimento sustentável e sem irregularidades do mercado de etanol no país.