por Elaine Paganatto


 


No último mês de outubro, o procurador geral da República, Antonio Fernando Souza, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que proibisse o governo de utilizar os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para pagamento de despesas administrativas ou não previstas na Constituição.


O imposto, criado em 2001, por intermédio da Lei n 10 336, incide sobre a importação e a comercialização de gasolina, diesel, querosene de aviação e outros querosenes, óleos combustíveis, gás liquefeito de petróleo (GLP) e álcool combustível e destina-se ao financiamento de projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e do gás e ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.


Informações da Receita Federal dão conta de que em 2006 o valor arrecadado com a Cide-Combustível chegou à casa dos R$ 8 milhões. E se partirmos do pressuposto que grande parte das estradas estão sob a responsabilidade de uma empresa privada e que os projetos com meio ambiente ainda não estão adiantados como deveriam, para onde está indo o dinheiro da Cide?


Foi, provavelmente a falta de resposta a esse questionamento que levou o procurador Fernando Souza a propor ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra as leis 10 336/01 (Cide) e 10 636/02 (FNIT – Fundo Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – dispõe sobre a aplicação dos recursos da Cide e cria cotas de distribuição para estados, municípios e modais de transporte). No seu entendimento, as leis utilizaram conceitos amplos, o que permitiu a interpretação errônea dos critérios de alocação desses recursos.


Entre os tópicos da defesa de sua idéia, Fernando Souza destaca que “o Ministério de Meio Ambiente, no ano de 2002, por exemplo, empregaram os recursos provenientes da Cide não apenas para o financiamento de projetos ambientais relativos à indústria do petróleo e gás, como também para custear suas despesas de cunho administrativo. Já o Ministério dos Transportes, realizando uma interpretação ainda mais abrangente, tendo em vista as suas atividades, adotou o entendimento de que todas as suas despesas, independentemente da natureza, pudessem ser financiadas com os recursos provenientes da Cide-Combustível”.


De acordo com o procurador, uma auditoria operacional realizada nas rodovias federais pelo Tribunal de Contas da União (TCU) constatou várias irregularidades na aplicação do dinheiro da Cide no setor de infra-estrutura de transporte, somada à deficiência dos serviços prestados por ausência de investimentos.


Por intermédio da Adin, proposta no início do mês de outubro e ainda não julgada, a Procuradoria Geral da República (PGR) pede a declaração de inconstitucionalidade, visando afastar os entendimentos que autorizam a utilização dos recursos da Cide-Combustível para o custeio de despesas da administração, evitando com isso a geração de superávit financeiro-orçamentário (economia para pagamento dos juros da dívida pública).


 


Dinheiro não chancelado


 


Na opinião do advogado tributarista, do escritório Almeida Advogados, de São Paulo (SP), Sidney Stahl, a Adin não fará com que o Governo altere a lei, que dispõe sobre a Cide, porque não é a origem do recurso que está errada, mas o seu destino. Portanto, dizer que a lei gera má interpretação não é a absoluta verdade.


Segundo ele, basta ler para imediatamente entender o que a 10 336/01 pretende. “O problema está na destinação dos valores que deveriam seguir para os programas de meio ambiente e infra-estrutura de transportes, mas não seguem. Quer dizer, seguem em parte. Noutra, por conta e risco, os ministérios aplicam o restante no que bem entendem, como despesas administrativas, por exemplo”.


Stahl acredita que Lei nº 10 336 não sofrerá mudanças, mas que poderá ocorrer alteração nas leis orçamentárias, que deverão trazer especificado com maior rigor o destino dos valores arrecadados com a Cide-Combustível.  “O Supremo afirmará que o problema não está na lei e que não há inconstitucionalidade nos dispositivos que criaram a Cide”, observa.


Se não fosse por intermédio de uma Adin, que, neste caso partiu da PGR, o cidadão comum também poderia entrar com uma ação popular pedindo liminarmente que se obrigasse a aplicação dos recursos em programas específicos. A Constituição, em seu Artigo 5º, Inciso 73, esclarece que se o Estado tem a obrigação específica de aplicar recursos em certa situação e não aplica, está lesando o patrimônio público, o que dá a qualquer cidadão o direito de pedir ´explicações´. “Entendo que o melhor caminho sempre são as ações populares”, salienta. E contra quem seria uma ação desse tipo? “Contra ministros e até mesmo o Presidente da República”, elucida.


O fato de o Procurador da República propor ação, sendo ele um fiscal da lei,  é muito importante, pois significa que alguém está pela população, uma vez que se bem empregados, os recursos reverteriam em benefícios. Porém, seria de fundamental importância que a sociedade entendesse que ela também é responsável por fiscalizar o dinheiro gerado por tributos que o Governo utiliza. “É verdade que uma parte dos recursos devem seguir para o fim correto, mas o problema é que o dinheiro que chega às mãos do poder público não está chancelado, ou seja, não traz carimbada a frase: este dinheiro é da Cide e vai ser usado para tal coisa”, ressalta Stahl. 


Em outras palavras, acompanhar as contas do Governo é tarefa impossível. “Se acompanhar as contas de um posto de gasolina é difícil, imagine fazer isso com a contabilidade de um país como o Brasil?”, questiona.

Se questionado, o Governo afirmará que os valores arrecadados com a Cide-Combustível estão sendo aplicados numa série de iniciativas, dentre elas naquelas para as quais os recursos foram determinados. O problema é que ele não tem como demonstrar e provar como a totalidade desses valores está sendo aplicada