“O futuro desse mercado é promissor. Vejo o enxugamento do setor como certo. Num futuro não muito distante, deveremos reduzir o número de agentes para algo entre 22 e 23 mil postos e entre 30 e 40 distribuidoras. Com isso, os lucros deverão vir da economia de escala, pois as vendas estarão concentradas em menor número de empresas. Em paralelo, espera-se que a economia do país passe a crescer, com reflexos positivos também nesse setor”.
Em síntese, esta é a análise do professor Adriano Pires – diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), especialista no setor de energia e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – que afirmou acreditar que o processo de saneamento – durante o qual já foi cassado o registro de cerca de 3% da rede de postos e 60 distribuidoras – deverá continuar, pois “o mercado ainda está inchado, em virtude de liminares e da adulteração”. Do seu ponto de vista, com isso haverá maior concentração de vendas por estabelecimento, “levando-se em conta também que as redes de supermercados estão abrindo muitos postos pelo país”, os quais costumam ser campeões de vendas.
Para Pires, a abertura do mercado, iniciada na década de 90, se deu de forma atabalhoada, o que propiciou o aparecimento de distorções e irregularidades, tanto no campo tributário quanto no da qualidade dos produtos, também por conta da fiscalização deficiente. “Hoje temos mais de 30 mil postos no país, com vendas médias de 120 mil litros de combustíveis por mês, o que torna parte deles inviável”, declara, estimando que, com o mercado equilibrado, “a média Brasil de vendas mensais por posto deverá ser de, pelo menos, 200 mil litros”, pois caso contrário os estabelecimentos não terão como sobreviver.
A diminuição do número de atores também será visto no segmento de distribuição. Em sua visão, não dá para ter no Brasil distribuidoras vendendo menos de 50 milhões de litros por mês, em média: “se uma distribuidora não comercializa pelo menos esse volume, não consegue sobreviver num mercado sadio, no qual as margens são naturalmente baixas e as empresas têm de trabalhar com economia de escala. E olha que estou sendo complacente”.
O diretor da CBIE revela que atualmente há empresas que comercializam até 15 milhões de litros por mês; “isso só é possível quando atuam regionalmente ou quando se beneficiam de alguma irregularidade”.
Mas além da retração no número de distribuidoras e de postos em geral, sua previsão é que também se reduza a participação dos postos independentes na rede nacional. “Atualmente esses postos representam cerca de 34% do mercado brasileiro. Mas a tendência é que futuramente esse percentual se estabilize em algo em torno de 20%, pois, com o combate à adulteração e às distribuidoras irregulares, deverá ocorrer o fechamento de mais postos e, entre eles, os de bandeira branca”. De acordo com dados divulgados pela ANP, no momento, 170 distribuidoras de combustíveis e 33 mil postos, aproximadamente, têm registro no órgão.
Irregularidades e novos riscos
Nessa análise, o alto índice de irregularidades verificadas em grandes mercados aparece como produto da atração que estes exercem sobre quem quer o lucro fácil, ilegal, e pelas dificuldades enfrentadas pela fiscalização diante da amplitude e complexidade desses cenários. Nesse aspecto, o estado de São Paulo, que responde por cerca de 50% do consumo nacional de combustíveis, é um exemplo. “Como o risco é proporcional ao ganho, só se arrisca quem sabe que pode faturar alto”, conclui.
E vislumbra novos riscos no horizonte, como o de problemas com o biodiesel. Apesar de ser favorável ao desenvolvimento de novos combustíveis, ele avalia que “sua implementação tem de ser muito bem estruturada, tomando cuidado, inclusive, com a política de subsídios”. Pires critica “o afã do Governo em conquistar a independência energética”, que fez com que lançasse o programa do biodiesel sem a estruturação necessária, contestando, ainda, o discurso governamental ao afirmar: “o apelo social do programa – de incentivo à agricultura familiar e ao desenvolvimento econômico em regiões carentes – é falso, pois a produção em pequena escala não é economicamente viável”.
Receita
Ao comentar que ainda há liminares em vigor beneficiando algumas empresas, ele diz que como o mercado está sendo saneado, há agentes que tentam sobreviver a qualquer custo, tentando usar essas ações judiciais. “Mas a situação já foi muito pior”, constata.
“Sempre haverá um pouco de adulteração e de liminares, mas a tendência é de normalização do mercado ao longo do tempo”, avalia, lembrando que todo setor ao se abrir passa por um período de distorções. “No caso do sistema financeiro, por exemplo, houve a quebra de grandes bancos, mas agora a situação está equilibrada”. O professor destaca que, “no setor de combustíveis a moralização só não foi mais rápida porque o Governo não quis”.
Para ele, há fragilidade na legislação atual, mas não parece convencido de que o caminho para reforçá-la deva passar pelo Código Brasileiro de Combustíveis (CBC), que está sendo elaborado pela Câmara dos Deputados. “Não sou muito favorável a esse código, pois, se ele engessar o setor, vai haver novas liminares e, com isso, será retardado o processo de enxugamento. Acho que se deve tentar aprimorar a legislação, fortalecer a ANP e dotá-la de condições para melhor fiscalizar o setor, e investir na maior interação entre a agência e os diversos órgãos, como Judiciário, as secretarias da Fazenda dos estados e a própria Petrobras”, resume, destacando ainda que “não se deve fazer programas apressados e de cunho político, como os de desenvolvimento de novos combustíveis”.
Adriano Pires faz bons prognósticos sobre a própria economia brasileira e o mercado de combustíveis em geral. “Seguramente, com o mercado equilibrado e saneado, as margens de distribuição e de revenda não serão tão altas como no passado. Mas a situação deverá melhorar quando o Brasil voltar a crescer mais – nos últimos 10 anos a taxa de crescimento situou-se entre 2% e 3% ao ano –, pois esse desenvolvimento incidirá no aumento da frota de veículos e também no consumo de combustíveis. O Brasil tem um grande potencial para o crescimento da frota; pelos dados de 2002, divulgados no Anuário de 2005 da Anfavea, tínhamos 8,4 habitantes por veículo, enquanto que nos Estados Unidos a relação era de 1,2 habitante por veículo e em países da Comunidade Européia a média estava em torno 1,5, 1,8”, justifica. (CCS)

ANP está otimista
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostra otimismo quanto ao cenário futuro do downstream. Para o superintendente de Abastecimento do órgão, Roberto Ardenghy, há perspectiva de enxugamento gradual do número de agentes, da queda dos índices de irregularidades no mercado, crescimento do uso do biodiesel e expansão do consumo de álcool.
“De um modo geral, estamos otimistas quanto ao futuro. O número de agentes deve sofrer redução e o mercado amadurecer”, avalia, levando em consideração os convênios efetuados pela agência, a ampliação do número de fiscais e outras medidas, que têm resultado na cassação de um grande número de agentes – tanto distribuidoras quanto postos – e na elevação dos índices de qualidade dos combustíveis em todo o país. “Pretendemos ter o cadastro da ANP limpo até o final do ano, com menos dois mil postos, pelo menos. Até o início dessa operação nosso cadastro contava com 34,5 mil postos, aproximadamente”, informa.
Ardenghy declara que o programa nacional do biodiesel está evoluindo: ”até o final de 2006 o país produzirá 800 milhões de litros. Em junho, cerca de 600 postos já comercializavam a mistura B2 (diesel com 2% de biodiesel) e serão dois mil até o final deste ano. Temos atualmente oito empresas produtoras de biodiesel registradas na agência e outras 31 se encontram em processo para a obtenção do registro. Também os testes com o B5 estão bem desenvolvidos” .
De acordo com sua análise, o mercado de álcool se mostra igualmente promissor. A safra de cana-de-açúcar deste ano deverá ter um aumento de cerca de 8% com relação à passada, o consumo interno também deve se elevar, o mesmo ocorrendo com as exportações.”
(CCS)