Estamos em plena safra do álcool e, no princípio, isso ocasionou queda no preço do produto. No princípio, porque apenas um mês depois do início da safra, portanto em pleno junho, mais especificamente na última semana do mês, o preço já havia subido novamente. A cidade de Bauru, no interior de São Paulo, foi uma das localidades que percebeu a elevação no preço, que antes baixara cerca de 40% no custo. O litro que custava em média R$ 1,20 passou a ser vendido a R$ 1,50.
O valor do litro do álcool vem chamado a atenção desde o ano passado, quando o produto sofreu várias altas injustificadas e continua atraindo olhares desconfiados, porque ainda se comporta de maneira atípica em 2006, mesmo durante a colheita da cana-de-açucar. O período seria favorável à reação positiva do produtor, no sentido de colocar o combustível no mercado a preços que estivessem de acordo com a oferta.
Porém, o que diz respeito ao álcool combustível parece não ter mais regra. Do contrário, por que teria o valor do produto chegado a patamares tão elevados nesta última entressafra, se nada a tivesse caracterizado como diferente com relação às ocorridas em anos passados? O diretor técnico da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), Antonio de Padua Rodrigues, explica que “desde a liberação ocorrida em 1988, a diferença entre os preços médios do período de produção (maio/novembro) e os da entressafra (dezembro/abril) tem sido de 27%. No período de janeiro/abril de 2003 os preços também ultrapassaram R$ 1,00 por litro. O álcool é um produto agrícola sazonal, que não tem compromisso de compra com contratos pelas distribuidoras, o que faz com que tenha grande volatilidade. Assim, ora os preços estão muito baixos para o produtor e favoráveis ao consumidor, ora estão bons para o produtor, mas inviáveis ao consumidor”.
Seria esta, uma regra?
Precocidade da safra
Não fossem as freqüentes altas no preço do álcool, o consumidor não teria buscado a gasolina para abastecer seu carro flex fuel. Os postos revendedores sentiram a troca por bomba de abastecimento e os produtores também perceberam que a saída do produto foi menor. “No período entre março e abril, o volume de álcool hidratado foi reduzido em 35%”. Sendo a competitividade do álcool hidratado em relação à gasolina medida pela relação de preços na bomba, é óbvio imaginar que aqueles que tiveram a alternativa de optar pela gasolina, cujo preço se mostrava mais atrativo, levando-se em conta entre outros o rendimento do produto, não titubearam. Cruel foi a situação para quem não tinha escolha e se viu obrigado a comprar álcool a quase R$ 2,00 o litro em determinados locais em São Paulo.
Padua destacou que houve antecipação da safra deste ano, assim como também na de 2004/05, quando parte das unidades produtoras iniciaram a colheita em abril. “Na safra 2006/07, houve um esforço adicional, proporcionando uma produção de 750 milhöes de litros de álcool. A antecipação permitiu essa ampliação no período de produção”. Mas nem mesmo essa precocidade da safra conseguiu garantir preços mais baixos ao consumidor.
Muito já se falou acerca da preparação de estoque estratégico para driblar as altas da entressafra, idéia com a qual o diretor-superintendente da Ale Combustíveis, Cláudio Zattar, também concorda. Ele vai mais além lembrando que vários países estão constatando que o álcool é a melhor opção em relação à gasolina. Portanto, se outros estão de olho em nosso produto, não será somente a entressafra o problema do consumidor brasileiro, mas também as exportações. Para tanto, ele destaca: “Para não repetirmos os erros do passado, cabe ao Governo monitorar o setor e atuar não como interventor, mas de forma madura para que o mercado se consolide e continue se mostrando interessante aos investidores. Nesse sentido, é essencial a definição e a manutenção de estoques reguladores com o objetivo de prevenir preços altos no período de exportações e também no de entressafras”.
Padua Rodrigues explica que o programa do álcool teve sua primeira fase em 1975, e a segunda em 1979, período em que tanto a produção como a distribuição e a revenda tiveram uma forte presença do Estado, inclusive com legislação para a formação de estoque estratégico, porém nunca foi formado. “Tivemos períodos de excedentes com mais de três bilhões de litros. Se a questão é a volatilidade de preços então estão questionando a existência de estoques reguladores, porque acreditam que isso evitaria que os preços tivessem quedas significativas na safra e também altas na entressafra. Mas o grande regulador de mercado nesse momento é o proprietário de carros flex, uma vez que a competitividade do álcool está na relação de preços com a gasolina”.
Para Zattar, o Governo deveria financiar os estoques reguladores, levando em conta o consumo atual do país, devendo comprar antecipadamente e manter entre 1,3 bilhão e 2 bilhões de litros de álcool estocados nas usinas. “O produtor, nesse caso, ficaria como fiel depositário dos estoques”.
Direto da usina
No entanto, se a preocupação é com a exportação do produto Padua faz questão de ressaltar que ela não compromete o abastecimento interno, uma vez que corresponde a apenas 15% da produção nacional.
Mas o melhor mesmo para o consumidor seria que houvesse um plano para os meses de entressafra, já que a produção de álcool ocorre somente entre abril e novembro, quando se chega a produzir perto de 2,5 bilhões de litros, segundo a Unica. O volume é expressivo, mas representa pouco e não serve para convencer o consumidor que gasta muito para encher o tanque entre dezembro e março.
Padua acha, sim, que falta ao álcool políticas de longo prazo, como a definição da participação do produto na matriz de combustíveis.
A compra direta na usina sempre foi uma questão discutida pelos revendedores de combustíveis, o que, alegam, contribuiria para baixar o preço na bomba. Na opinião de Padua, isso poderia ocorrer desde que fossem resolvidas as questões de ordem fiscal. Mesmo que essa política de compra passasse a vigorar, ele acredita que 85% do mercado permaneceriam nas mãos das distribuidoras, porque considera ser esta maneira mais competitiva. “Onde a distribuição não fosse competitiva, poderia ser viabilizada a venda direta”.
Atrativo externo
Entre os dias 11 e 17 de junho, de acordo com a ANP, o preço do álcool estava em R$ 1,61 e sofreu queda de R$ 0,86 logo em seguida. No entanto, alguns dias depois, o álcool combustível voltou a subir. Conforme explica Padua Rodrigues, “os negócios de compra e venda de álcool são diários e dependem diretamente da oferta e demanda. Se o mercado se mantiver mais ofertado que demandado pressupõe queda de preço, caso contrário a alta será inevitável”.
Na opinião do consultor Fábio Silveira, da RC Consultores, não se trata somente da oferta e demanda do mercado nacional, mas também da acentuada elevação do preço externo do açúcar em mais de 65%. Para ele, por conta desse atrativo externo os estoques se mantém abaixo do nível necessário para abastecer a frota interna ainda mais demandada pelo aumento na quantidade de veículos bicombustíveis no mercado.
Silveira, numa análise rápida, demonstra que o preço do produto ao consumidor em janeiro de 2000 se encontrava na casa dos R$ 0,72; teve um pico três anos depois chegando a R$ 1,50; e extrapolou em janeiro de 2006 quando ultrapassou os R$ 1,70 o litro na bomba, em São Paulo. Em abril deste ano ainda estava em patamar bastante elevado, não conseguindo baixar de maneira expressiva nem mesmo durante a safra, que é o que se percebe nesse momento no mercado.
A ANP e o álcool
No último ano, o estado de São Paulo ganhou atenção especial da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do próprio governo do estado, com a abertura de escritórios do órgão, formalização de convênios de fiscalização com a Secretaria de Fazenda (Sefaz) e órgãos da prefeitura da capital, o que intensificou a fiscalização e levou o governo à edição de lei severa sobre adulteração.
Com a transformação da agência em Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) o órgão estendeu sua responsabilidade sobre o álcool e passou a agir na fiscalização do produtor ao consumidor final.
De acordo com o Superintendente de Abastecimento, Roberto Furian Ardenghy, já foi dado início ao cadastramento dos produtores de álcool para realizar estudo sobre a demanda do produto, o qual deverá estar pronto até o mês de agosto. Depois disso, deverá ser realizado um seminário, com a participação da Unica e outras entidades do setor, para discutir instrumentos voltados à redução da volatilidade dos preços. As alternativas para garantir maior estabilidade dos preços, avaliadas até o momento, mostram como caminhos possíveis a formação de estoques reguladores, existência de contratos de longo prazo para a venda dos produtos às distribuidoras, além da criação de um mercado futuro. (EP)