Quando um posto é flagrado vendendo combustível adulterado, na maioria das vezes ele é apenas a ponta do fio de uma meada que conduz a um grande esquema criminoso, organizado e milionário, com raio de atuação, às vezes, além dos limites estaduais. Puxar o fio e chegar aos verdadeiros culpados é o trabalho da polícia. Mas levá-los para detrás das grades pode custar anos de investigação. Foi o que aconteceu com a Operação Dissolve, uma das ações especiais mais espetaculares deflagradas pela Polícia Federal em 2006, que demorou dois anos para ser concluída.
Em 23 de março deste ano, o dia “D” da operação, 36 equipes da Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público Estadual de Limeira, a Procuradoria da República em Piracicaba e a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, saíram a campo com 36 mandatos de busca e apreensão e três mandatos de seqüestros de bens móveis, em diversos municípios paulistas, além de Urberlândia (MG) e Cuiabá (MT), locais onde operava um organizado esquema de adulteração de combustíveis. Das 13 pessoas indiciadas, nove foram presas e quatro estão foragidas. Além da gasolina adulterada e solvente apreendidos, também houve o seqüestro de bens dos criminosos utilizados na operação, entre os quais helicóptero, lanchas, carros e 40 carretas que faziam o transporte dentro e fora do estado de São Paulo.
O delegado Florisvaldo Emílio das Neves, da Delegacia de Policia Federal em Piracicaba (SP), lembra bem de quanto tudo começou. Em 2003, ano em que a delegacia foi criada, ele disse que começou receber “toques” de várias pessoas, a respeito de uma empresa que vendia solvente para fraudar combustíveis. Ciente de que não adiantava apenas fechar a empresa, iniciou as investigações. Chamou-lhe a atenção nessa distribuidora de solvente a venda a granel do produto, já que para uso industrial o normal é o envase em galões de 18 litros. Além disso, a empresa transportava o produto em frota própria para o Mato Grosso, Bahia e Tocantins. Embora a tal distribuidora de solvente não tenha sido incriminada por falta de provas e continue operando até o momento, sob a alegação de que não sabia para que fins o produto seria utilizado, o delegado Neves afirma que não desistiu. “É difícil juntar provas, mas não tenho pressa”, afirma.
Esquema poderoso
A Operação Dissolve se voltou então para os compradores do solvente, identificando que a maior parte seguia para postos de combustíveis de Limeira e Cordeirópolis, os quais possuíam inclusive uma distribuidora de combustíveis, com base em Paulínia, e outra em Cordeirópolis, além de uma base clandestina em Porto Feliz. O solvente era comprado em Piracicaba, com notas frias emitidas pela empresa de Tocantins. O esquema era tão poderoso que também havia na organização duas transportadoras, ambas com sede em Cuiabá, com o total de 40 carretas que faziam o transporte interestadual do produto adulterado. A quadrilha também era proprietária de 10 postos de combustíveis, mas, curiosamente, segundo Neves, “não revendiam combustível adulterado”, talvez, acredita, “para não chamar a atenção”.
Nas bases das distribuidoras, os policiais encontraram tanques imensos nos quais a gasolina era “batida” com solvente, processo conhecido como “bagaceira”. Segundo o delegado Neves, a quadrilha possuía estrutura para adulterar um milhão de litros de combustível por noite, gerando prejuízos diários, segundo seus cálculos, para 25 mil consumidores. Ele também concluiu que há tempos os criminosos deveriam estar agindo, pois os tanques instalados desde 2001 no local, cuja vida útil estimada é de 15 anos, estavam “completamente enferrujados” devido ao uso intenso de solvente.
Mesmo com o desmantelamento da quadrilha pela Operação Dissolve, o delegado afirma que a fraude de combustíveis não acabou nos locais onde os criminosos operavam. “Isso é como um câncer; a gente tira um órgão, mas ele continua avançando pelo corpo”, compara. Por isso, lamenta que a pena de reclusão para os adulteradores seja de no máximo cinco anos. “O combate tem de ser constante”, considera. (MA)