Antes de 1990, o foco das preocupações dos revendedores era a não atualização das margens da revenda pelo Conselho Nacional do Petróleo (CNP) e a política de uma ou outra distribuidora na abertura e realocação dos postos, quanto a obras de manutenção de estabelecimentos ou a contratos de CVM e de comodato de equipamentos.


Saudosismo é atraso de vida, mas é de se convir que, em comparação com o cenário atual, esse era o de um paraíso.


Quando o setor lutou pela discriminação da revenda e da distribuição, como atividades distintas, na Constituição Federal de 1988 e, depois, pela aprovação da Lei nº 9.956, de janeiro de 2000, que proibiu o sistema self service de abastecimento nos postos do país e preservou milhares de empregos, imaginou que assim bloquearia a verticalização na comercialização de combustíveis. Ledo engano!


Ondas de irregularidades


Desde que o setor foi aberto, o mercado vem sendo batido por ondas de irregularidades, que acabam por quebrar com maior intensidade sobre o elo mais fraco da cadeia: o da revenda de combustíveis. A evasão de tributos (especialmente ICMS e PIS/Cofins) foi uma dessas grandes e malfadadas levas. A adulteração de produtos, outra. Há, também, alguns delitos específicos, como a venda de “álcool molhado” (anidro, que é isento de impostos, diluído em água e vendido como hidratado), a venda de etanol hidratado diretamente das usinas aos postos, sem o recolhimento dos impostos devidos, além da chamada ‘bomba baixa’. E, ainda, as companhias “barriga de aluguel” permeando diferentes falcatruas de cunho fiscal.


Não é de surpreender, então, que muitos dos tradicionais empresários da revenda, de conduta ilibada, temendo a falência, tenham saído voluntariamente desse mercado ou tenham sido forçados a deixá-lo.


Com o passar de anos, a maior parte dessas transgressões foi, a duras penas, combatida e eliminada, mediante esforço conjunto da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), órgãos estaduais de diversas naturezas, entidades da revenda (como o Sincopetro) e da distribuição.


Verticalização velada


Porém, não é possível ignorar as que, ainda hoje, continuam a perturbar o trabalho e o equilíbrio financeiros dos postos. Os pontos de abastecimento (PAs), instalados em empresas, e as centrais avançadas de inspeção e serviços (Cais) da Petrobras Distribuidora, que deveriam fornecer diesel com carga tributária reduzida, apenas para veículos de frota própria, que, na verdade, vendem produtos em larga escala para quem quiser comprar, concorrendo ilegalmente com postos regulares, sem precisar temer a fiscalização. Algo semelhante ainda ocorre com hipers e supermercados, que favorecidos ou não nos preços de compra pela companhia fornecedora, comercializam combustíveis por valores bem abaixo da média regional. Mas isso não é tudo.


Como já citado, a grande parte dos problemas tributários e de adulteração, que prejudicaram distribuidoras e postos idôneos, foram sanados. No entanto, algumas práticas danosas aos postos apareceram ou foram ressuscitadas possibilitando a verticalização, ainda que velada. Isso quer dizer que o mercado de combustíveis, que inclui o de revenda, está sendo veladamente controlado pelas companhias de distribuição.


Esse quadro pode ser constatado em práticas tais como a venda de combustíveis com desconto para postos sem bandeira, para tentar cativá-los para a companhia, e venda com preços cheios para os bandeirados na mesma região, os quais ainda sofrem pressão sobre os preços na bomba.


Cabe a pergunta: a manipulação não se caracterizaria quando distribuidoras controlam o preço de compra e de venda do posto e, caso o revendedor resolva majorar os preços de bomba, de forma a cobrir a elevação de seus custos (a inflação está de volta, é bom lembrar), a companhia incremente seu preço de venda ao estabelecimento, aumentando, desse modo, sua margem e achatando a do revendedor? O que diz a evolução das margens da distribuição e da revenda nos últimos anos, de acordo com os dados divulgados pela ANP? Houve crescimento das margens da primeira em detrimento da dos revendedores. E a situação recrudesceu mais recentemente, com a redução das vendas dos postos, em função das atribulações econômicas por que passa o país.


Além disso, o empresário que ousar não participar das campanhas promocionais da sua companhia, que exigem o desembolso de muitos cifrões, que se cuide, pois poderá sofrer represálias.


ANP, a revenda precisa de você!


Muitos postos pelo país afora estão encerrando suas atividades; novo êxodo de revendedores para outras atividades ou simples falência. Tal fato é algo visível no espaço urbano e também nas rodovias. A quem interessa? Às distribuidoras, que pretendem reduzir o número de postos de suas redes, de forma a minimizar seus custos e manter as vendas, elevando, assim, seu lucro. A quem não interessa? Aos consumidores, que terão menos opções para abastecer e não serão beneficiados pela concorrência de mercado; aos revendedores e a seus funcionários, que perderão sua fonte de renda.


Mas há outros percalços no cotidiano financeiro do revendedor: o crescimento acentuado dos custos representados por todas as taxas, licenças e equipamentos obrigatórios, exigidos por um sem-número de órgãos oficias de diferentes esferas da administração pública, e as aviltantes taxas de administradoras de cartões de crédito, débito e frotas.


Mais recentemente, em 2015, reapareceu uma ameaça: a da liberação do serviço self service nos postos, com a apresentação de um projeto de lei de autoria do senador Blairo Maggi (PR/MT). A proposta continua tramitando em Brasília (DF).


Um empresário pouco tem a fazer, quando preso a um contrato de exclusividade, a não ser ou abandonar o negócio ou ser muito criativo e tentar restringir despesas, buscar renda adicional com a diversificação de seu ponto de venda e melhorar o atendimento, quando for possível.


Não é de hoje que o Sincopetro tem procurado as distribuidoras para tentar reverter essa política de aniquilamento de postos para enxugamento das redes e dos custos. Mas, apesar da insistência, sua demanda não tem sido atendida. E vale lembrar que está em andamento uma ação do sindicato contra os abusos das companhias.


Diante dessa situação, independentemente de iniciativas no campo jurídico, cabe questionar a ANP, como órgão regulador, solicitando atitude enérgica para garantir o equilíbrio do mercado. Afinal, conforme determinado na Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, que a criou, cabem à agência “as atribuições relacionadas com as atividades de distribuição e revenda de derivados de petróleo e álcool” (artigo 9º), entre outras. E, ainda, em seu artigo 10 estabelece que “quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE-MJ), para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente”.


Será que os fatos aqui descritos não configuram infração à ordem econômica, por abuso de posição dominante, para merecer a devida atenção da agência? Foi por isso que o Sincopetro já solicitou o exame da situação pelo órgão. (por Cristiane Collich Sampaio)