por Cristiane Collich Sampaio, Denise de Almeida e Márcia Alves


 



Quem não se lembra da fase do ‘álcool molhado’, a conversão do álcool anidro – que é misturado à gasolina e é isento de tributação na distribuição – em hidratado, que tumultuou o mercado de distribuição e revenda por alguns anos? Esse e outros capítulos da história do etanol combustível são páginas viradas (ou quase). Os problemas foram minimizados, a muito custo, com legislações mais claras e alguma criatividade, como a resolução da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que prevê a adição de corantes e marcadores no álcool anidro, e também fiscalização mais rigorosa. Porém, a imaginação de quem deseja ganhar dinheiro fácil é prodigiosa: parece que sempre encontra uma forma de driblar a lei e a fiscalização. E isso, sempre à custa da tranqüilidade do mercado.


Com o lançamento dos veículos flex fuel, em meados de 2003, o mercado de álcool – que entrou em decadência com a crise de abastecimento dos anos 90 – começa a se recuperar. Segundo informações divulgadas pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), 90% dos veículos leves vendidos em 2009 eram flex, representando atualmente 39% da frota nacional. Como consequência dos preços competitivos do etanol em relação à gasolina – especialmente durante a safra e nos estados produtores –, a produção do primeiro vem tendo crescimento acentuado, ano após ano, pelos levantamentos estatísticos da entidade. Se na safra de 2003-2004 ela foi de menos de 6 bilhões de litros, na de 2008-2009 saltou para mais de 18 bilhões e deve chegar a 25 bilhões de litros na próxima .


Quanto ao consumo, nos últimos anos o crescimento vem sendo de cerca de 20% ao ano. De acordo com informações divulgadas pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 14 de dezembro, o consumo de gasolina ainda é maior no país, de 25,2 bilhões de litros contra 16,9 bilhões de litros de etanol, mas em alguns estados, a realidade já não é essa. Em São Paulo, que é o maior produtos, as vendas de hidratado somaram 6,9 bilhões de litros, ante 5,4 bilhões de litros de gasolina, até outubro, pelos dados da ANP.


 


Perdas e danos


 


Esse aquecimento do consumo, aliado à elevada carga tributária (de 23% do preço de compra das distribuidoras no estado de São Paulo, em que o ICMS é de 12%, o mais baixo do país) e a controles de comercialização deficientes, fez com que fraudes fiscais passassem a ser um negócio bastante rentável e razoavelmente seguro.


O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) estima em R$ 1 bilhão por ano a sangria dos sonegadores aos cofres públicos, R$ 400 milhões em impostos federais e outros R$ 600 milhões em estaduais. A mesma fonte calcula que cerca de 30% de todo o etanol comercializado internamente deixa de recolher algum tipo de tributo.


Essa distorção também gera expressivas perdas para os agentes do mercado formal: produção, distribuição e revenda. Ao lado de outros mecanismos de fraude fiscal, são hoje as distribuidoras chamadas “barriga de aluguel” as principais responsáveis pelo desequilíbrio do mercado. Como esclarece o diretor técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues, trata-se de atravessadores, que, apesar de legais, não tem tancagem ou base e servem como intermediárias nas vendas entre destilarias e postos. “Elas compram dos produtores, emitem nota fiscal de venda, mas não pagam os impostos, por isso vendem por preço mais baixo, repassando parte do benefício para o consumidor, via postos, e desequilibrando o mercado. É a inadimplência legalizada.”


Isso prejudica os produtores, pois a ação dessas distribuidoras força a depressão dos preços do mercado. “Em virtude da grande pressão das distribuidoras para a queda dos preços no produtor, bons agentes foram obrigados a procurar esses atravessadores”, revela.


Essa pressão, por sua vez, é determinada pela concorrência desleal que causa a queda das vendas das distribuidoras regulares, como as representadas pelo Sindicom e pelo Sindicato das Distribuidoras Regionais Brasileiras de Combustíveis (Brasilcom). Pelas estatísticas do Sindicom, enquanto as empresas filiadas à entidade detêm entre 75% e 80% do mercado de diesel e gasolina, no etanol essa participação cai para 50% apenas.


E o problema atinge o segmento de revenda. “O revendedor honesto não tem como competir com um concorrente que compra álcool sem impostos”, declara o presidente do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia. De acordo com dados da entidade, no estado de São Paulo, onde, na segunda semana de dezembro, o preço líquido médio do etanol era de R$ 0,9647 para a distribuidora e, somando ICMS de 12% (R$ 0, 19341) e os R$ 0,12 referentes aos PIS/Cofins (dos quais, R$ 0,48 recolhidos pelo produtor e R$ 0,072 pela distribuidora), tinha um custo de R$ 1,38 o litro (Veja gráfico), fora margens de distribuição e revenda, era possível encontrar em postos preços muito próximos a este. “Esse tipo de competição é predatória”, afirma Gouveia, acrescentando que o mercado de álcool está se agigantando e, com isso, também o problema.


 


E a solução do problema?


 


Ele parabeniza a Fazenda paulista pelo aumento do controle fiscal sobre usinas, destilarias e distribuidoras, e acredita que a situação deva melhorar bastante no estado. Porém, a seu ver, “se não houver a união de todos, órgãos de todas as esferas e entidades do setor, a questão não será resolvida”, já que além do ICMS, que é um imposto estadual, há o PIS/Pasep e a Cofins, que são de responsabilidade federal.


O diretor técnico da Unica informa que “pelos dados da ANP e do mercado, sabe-se que há uma diferença de 1 bilhão de litros de álcool vendidos, que não são computados”, o que quer dizer, que estão no mercado clandestino. “É preciso ter coragem para descobrir onde foi parar esse volume. Como o mercado de etanol é altamente regulado, é possível saber quem é quem. As distribuidoras estão pagando os tributos ou apenas declarando?


Segundo o presidente do Sincopetro, “todos conhecem o problema, mas ninguém o resolve”, exaspera-se. Para ele, há falta de clareza nas atribuições de cada órgão público e as sanções aos sonegadores são muito brandas, estimulando práticas irregulares.


Essa visão é compartilhada por Alísio Vaz, do Sindicom, para quem a impunidade tem sido a regra na distribuição de combustíveis.


Ainda que a ANP possa contribuir com dados sobre o setor, a repressão à sonegação não cabe a ela. Secretarias da Fazenda (Sefaz) e Secretaria da Receita Federal (SRF), como lembra o diretor da agência, Allan Kardec Dualibe, são as instâncias responsáveis pelo controle e fiscalização tributária. E há, ainda o Ministério Público.


No momento está em discussão a instituição de um controlador único para o mercado de etanol, no âmbito energético, embora o tema seja bastante complexo. Outras sugestões também estão em debate de diversos fóruns, com variados atores. Mas para Paiva Gouveia, as soluções não podem demorar, pois as irregularidades estão desestruturando o mercado: “os responsáveis são conhecidos. Então, por que ninguém faz nada para retirá-los de circulação?”. (CCS)


 


 



Os tipos de fraude do etanol


 


São muitos os ‘apelidos’ criados para os criativos esquemas utilizados pelos adulteradores, que conseguem burlar um mercado forte e que é um dos maiores arrecadadores de tributos do país.    


          


Sonegação direta – Tecnicamente, sonegação é a venda de produtos sem nota, o que é diferente de inadimplência (em que há “confissão” da dívida). O Sindicom estima que, hoje, 30% de todo o etanol comercializado no país para fins combustíveis tem algum tipo de problema com impostos. A venda pela distribuidora sem emissão de nota fiscal ou utilização de uma mesma NF-e para cobrir diversas operações é uma delas.   


    


Compra direta da usina – A venda direta do etanol pela usina ao posto é proibida, “além de ilegal é imoral”, afirma Jefferson Melhim Abou-Rejaile, diretor do Brasilcom. O ato, segundo ele, traz inúmeras conseqüências negativas, como a sonegação e o desequilíbrio do mercado por aspectos de regulação, entre outros vícios nocivos a todos os agentes.    


    


Barriga de aluguel – São empresas constituídas para intermediar a venda entre refinarias e postos, como se fossem um corretor. A usina emite nota em favor de determinada distribuidora e o produto segue diretamente para o posto. A distribuidora não recolhe os e, mais tarde, é encerrada com grande dívida tributária.    


“É a inadimplência legalizada”, afirma Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica. A distribuidora, legalmente constituída, compra etanol dos produtores, emite nota fiscal de venda, mas não paga os impostos. “No final, são os produtores que pagam pela acentuada queda nos preços, por conta da ação desses verdadeiros atravessadores, que, ao sonegar impostos, conseguem praticar preços menores”, diz.      


    


Descaminhos do álcool – Além dessas práticas, Alísio Vaz, do Sindicom, aponta ainda outros descaminhos do etanol, onde o produto destinado a outros fins (bebidas ou uso industrial), que tem alíquota menor de ICMS, é comercializado como combustível. Ou o passeio virtual do álcool, em que estados produtores faturam o produto como se esse fosse para estados consumidores, onde a alíquota de ICMS também é menor, mas ele acaba nem saindo do estado de origem. Por exemplo, um agente de São Paulo, em que a alíquota do ICMS sobre o álcool é de 12%, fatura o produto para um estado “pobre”, pagando ICMS de apenas 7%, mas o álcool é comercializado em São Paulo mesmo.    


    


Triangulação de empresas – Segundo o Ministério Público de São Paulo, outras formas de fraude estão relacionadas à triangulação entre empresas. “Observe que esta é a forma mais cruel, pois o real beneficiário da fraude não aparece na operação como fraudador”, lamenta Jefferson Melhim Abou-Rejaile, diretor do Brasilcom. “Esta forma atinge inclusive a gasolina, é o lado mais negro da fraude, visto que créditos ilegais de ICMS, PIS e Cofins, oriundos de operações fraudulentas de empresas ‘laranjas’, são utilizados no álcool anidro”, afirma. (DA)


 


 


Ministério da Agricultura ou Energia? Quem controla?


 


A falta de definição de um regulador único para o etanol confunde os agentes da cadeia de produção e comercialização e facilita as manobras dos sonegadores.


 


Hoje, o controle da cadeia de produção e comercialização do etanol é dividido entre o Ministério da Agricultura e o Ministério de Minas e Energia, via ANP. O Ministério da Agricultura trata da produção de cana-de-açúcar, açúcar e etanol e, recentemente, regulamentou o Sistema de Acompanhamento da Produção Canavieira (SAPCana).  A ANP, por sua vez, recebe e disponibiliza, após tratamento estatístico, informações sobre a venda de etanol combustível pelas unidades produtoras a distribuidoras e sobre as vendas destas ao mercado de revenda e ao consumidor final.


As informações são do diretor da ANP, Allan Kardec Duailibe, que acredita que a visão integrada de toda a cadeia, com dados de produção e comercialização, é possível em virtude da ótima parceria existente entre a ANP e o Ministério da Agricultura. A partir de convênio firmado entre as duas instituições é possível a verificação das quantidades de produtos ofertados e comercializadas pelo setor sucro-energético.


Há, contudo, um grande debate em torno da questão. No seminário realizado recentemente pela ANP, em Búzios (RJ), com a participação de representantes do mercado de combustíveis, entre eles o Sincopetro, houve o entendimento de que seria positiva para o mercado a definição de um regulador único para o etanol e que esse papel poderia ser desempenhado pela ANP.


“É possível aumentar o controle da agência sobre o etanol, uma vez que ela é responsável pelo abastecimento nacional de combustíveis”, observa Alísio Vaz, do Sindicom. “O difícil é fazer o corte (a partir de onde o controle sairia da Agricultura para a ANP)”, adverte. “O SAPCana, do Ministério da Agricultura, é um sistema pelo qual são registradas as informações das usinas, referentes à cana-de-açúcar, moagem etc., assim como o Sistema de Informações de Movimentação de Produtos (SIMP, que monitora a movimentação dos produtos regulados pela ANP) traz os volumes de álcool comercializados por cada um dos produtores. Os dados dos dois sistemas se baseiam em declarações das usinas”, afirma.


O diretor técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues, lembra que há uma regra para a comercialização do etanol combustível no mercado interno: o faturamento para distribuidoras é a porta de entrada para o início da supervisão da ANP. As informações das notas fiscais que acompanham cada caminhão de etanol, destinado ao mercado interno, seguem para a ANP; se for etanol para exportação, não. “Mas, de fato, hoje não há controle, a não ser o envio das informações de cada empresa para os órgãos responsáveis”, frisa. (DA)


 


Fazenda paulista trava guerra contra a sonegação


 


Depois de reduzir ICMS do etanol, integrar a operação de fiscalização nos postos, aplicar a lei perdimento e exigir cadastro de usinas e distribuidoras, secretaria contabiliza algumas vitórias contra o crime.


 


A sonegação fiscal é a principal irregularidade que afeta o comércio de etanol. O preço mais baixo do combustível na bomba é apenas a parte visível do problema, que esconde um intrincado esquema criminoso, envolvendo usinas, distribuidoras e postos. Em São Paulo, a fraude conhecida como “barriga de aluguel” faz chegar a alguns postos o etanol por um valor abaixo do mercado, por conta do não recolhimento de impostos, desequilibrando a concorrência e causando um rombo milionário nos cofres do governo.


Nos cálculos do Sindicom, a sonegação atinge 30% de todo etanol comercializado no país, acumulando um prejuízo que ultrapassa o R$ 1 bilhão. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo desconhece esse número. “Nunca recebemos qualquer relatório analítico que informe o montante da sonegação, onde ocorre, como é praticada e quanto se refere a São Paulo”, diz o diretor adjunto da secretaria, Sidney Sanches.


Mas, longe de ignorar o problema, a Fazenda paulista tem travado uma ferrenha batalha contra a sonegação no etanol, cujo primeiro passo foi a redução da alíquota do ICMS de 25% para 12%, na época do governo Alckmin. O percentual é o mesmo aplicado nos estados do Sul e Sudeste, o que ajudou a reduzir, “em parte”, reconhece Sidney Sanches, a fraude chamada de “passeio virtual” do etanol.


Entretanto, o problema ainda não foi eliminado, segundo o Sindicom, justamente porque nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste o ICMS sobre o etanol é de 7%. A diferença representa uma “vantagem” para os criminosos, que emitem notas frias para conseguir repassar em São Paulo o produto que foi adquirido para venda nos estados com ICMS menor.


 


Números contra o crime


Mas, a Secretaria da Fazenda tem bons números para apresentar no combate à sonegação. A Operação De Olho na Bomba, da qual participa desde 2004 juntamente com outros órgãos do poder público, conseguiu cassar a inscrição estadual de 735 postos pela venda de combustíveis fora das especificações, e fechou 225 distribuidoras, das quais quase metade havia sido constituída por pessoas que, comprovadamente, não possuíam capacidade econômica ou financeira para serem sócias ou administrar tais empresas. (MA)


 


 


São Paulo tributa cana para conter sonegação


 


Cobrança incidirá sobre a entrada da cana-de-açúcar e saída do etanol em usinas e distribuidoras. Apenas estarão isentas dos tributos as empresas que não tiverem débitos fiscais e obtiverem o regime especial, por meio de cadastramento na Fazenda.


 


A inadimplência no recolhimento de tributos e a sonegação fiscal estão afetando o caixa do governo paulista. Um claro sinal é a perda de peso do estado na participação no Produto Interno Bruto (PIB), que caiu de 37%, em 1995, para 33,9%, em 2009. A parte referente ao ICMS sobre o etanol, que o governo abriu mão em 2003, quando reduziu a alíquota de 25% para 12%, também fez falta aos cofres paulista.


Para piorar, além da sonegação fiscal sobre o etanol que ainda persiste, o estado também contabiliza prejuízos com o aumento da inadimplência no pagamento de ICMS nesse setor, que subiu de 3,5% para 7% desde final de 2008 para 2009. Disposto a corrigir essa situação, o governo decidiu tributar em 18% a cana-de-açúcar em caule, que até então era isenta.


De acordo com o diretor adjunto da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, Sidney Sanches, esse imposto passou a ser cobrado em dezembro último na entrada do produto na usina fabricante de açúcar e etanol. “Essa tributação independe de qual produto será fabricado (açúcar ou etanol) em decorrência de sua industrialização”, explica.


Porém, caso as usinas e distribuidoras consigam ser enquadradas em regime especial, Sidney Sanches explica que não haverá ônus financeiro pela entrada da cana-de-açúcar. “Permanece a mesma situação atual”, reforça. Para obter o regime especial, usinas e distribuidoras de etanol precisam se cadastrar na Fazenda paulista, conforme definido nas Portarias 223 e 224, expedidas pela Coordenadoria da Administração Tributária (CAT), no final de novembro.


A lista de documentos exigidos é tão extensa que a Fazenda publicou outra portaria prorrogando o prazo para análise dos processos até 28 de fevereiro e concedendo um credenciamento precário às empresas que já enviaram documentos.


Vale ressaltar que apenas as empresas sem débitos fiscais é que conseguirão obter o regime especial. As demais, que estiverem irregulares, terão de recolher ICMS pela entrada da cana-de-açúcar e pela saída do etanol carburante em cada operação, por meio de guia especial (Gare), o que, certamente, tornará inviável a atividade.


“A exigência do recolhimento de ICMS a cada operação (saída de mercadoria) da usina ou da distribuidora, caso não sejam credenciadas, tem o condão de combater a inadimplência e a sonegação no setor de combustíveis, especialmente sobre o etanol hidratado”, afirma Sidney Sanches. (MA)


 



Propostas do Sincopetro


As irregularidades no mercado de etanol estão desequilibrando a concorrência na revenda de combustíveis. Em São Paulo, o sindicato paulista da revenda, Sincopetro, decidiu enfrentar o problema, denunciando as fraudes – inclusive por meio desta reportagem – e cobrando soluções de órgãos do governo. “Do jeito que está não dá para continuar”, afirma o presidente da entidade, José Alberto Paiva Gouveia. Ele teme pela sobrevivência dos postos de combustíveis que atuam honestamente.


Recentemente, em evento organizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Sincopetro apresentou uma proposta para acabar com as irregularidades no setor de combustíveis. Trata-se da Central de Compras de Combustíveis, um organismo que controlaria as atividades de todos os agentes da cadeia de combustíveis, desde o produtor até o posto revendedor.


Caberia à Central cadastrar todos os agentes, registrar e controlar toda a movimentação de combustíveis. As usinas, por exemplo, teriam de informar todos os dados de plantio, da colheita à moagem, incluindo os volumes vendidos. Já as distribuidoras, para vender combustíveis ou comprar insumos, teriam de obter autorização da Central, assim como os postos também teriam de fornecer dados sobre volumes comprados, com as respectivas autorizações, seus estoques etc.


“Com um mercado mais controlado, será mais fácil para os governos terem dados reais sobre a movimentação de combustível e o respectivo recolhimento de impostos”. O argumento faz parte da proposta do Sincopetro.


 


 


Com a palavra, Unica e Sindicom


 


As duas entidades estão juntas nessa luta contra a sonegação e outras práticas desleais do mercado de etanol.


 


É interesse de todos a regularidade desse mercado. Para tanto, as soluções tem de ser negociadas, como ocorreu na edição da Lei nº 11 727/2008, que promoveu alterações no PIS e na Cofins incidentes sobre o etanol e que entrou em vigor em outubro de 2008. Ela prevê tributação cumulativa – o que possibilita a obtenção de créditos pelas usinas. O valor foi fixado em R$ 0,12 por litro, independente do preço, dos quais cerca de R$ 0,048 recolhidos pelas usinas e R$ 0,072 pelas distribuidoras; antes era de R$ 0,03 nas usinas e R$ 0,09 nas distribuidoras. Apesar inicialmente ter defendido a concentração da arrecadação nos produtores, o vice-presidente executivo do Sindicom, Alísio Vaz, a nova lei teve efeitos positivos, ao evitar o subfaturamento e diminuir o espaço para fraude, por fixar uma alíquota em reais e diminuir a parcela que cabe à distribuição. “Esse era o acordo possível naquele momento, mas os produtores não fecharam questão, se mostrando abertos para discutir o assunto no futuro”, explica. Essa nova regulamentação também prevê a instalação de medidores eletrônicos de vazão nas usinas, mas a Secretaria de Receita Federal (SRF) ainda não regulamentou esse dispositivo de controle.


Para ele, é possível aumentar o controle da ANP sobre o etanol e já existe consenso quanto à necessidade de aprimorar seu poder; uma vez que a agência é responsável pelo abastecimento nacional de combustíveis, deve ter seu controle sobre o etanol ampliado. “Hoje ela não tem poder de fiscalização sobre as usinas e é justamente isso que está em debate”. Mas o diretor da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues, lembra que ela tem condições de cassar o registro das distribuidoras “barriga de aluguel”.


O cruzamento de informações dos agentes do poder público é, para o Sindicom, algo essencial ao combate à fraude fiscal. Esse trabalho já está em andamento, de forma a sobrepor os dados sobre os agentes e a movimentação de combustíveis, que a ANP detém, com os da nota fiscal eletrônica (NF-e).


 


Mais rigor


 


Outro ponto, considerado importante, diz respeito ao tratamento dado aos sonegadores e aos inadimplentes (os quais reconhecem suas dívidas, mas não as quitam). “Tradicionalmente, no Brasil, o poder público tem sido muito tolerante e é preciso mais rigor no tratamento desses agentes. A existência das “barrigas de aluguel” é prova disso”, exemplifica Alísio Vaz.


Ele diz que São Paulo deu o exemplo, pois “as novas normas editadas pela Sefaz no final de novembro têm por objetivo atacar, justamente, os inadimplentes. Elas possibilitam sua eliminação do mercado. Para esses, passa a ser obrigatório o pagamento automático do imposto a cada nota emitida.”


O representante da Unica é da mesma opinião. “A nosso ver, tem de ser eliminado do processo de produção e comercialização quem não cumpre com suas obrigações e não paga tributos”, afirma. Mas, na sua análise, é preciso mais. Resoluções da ANP devem criar, em breve, dois novos agentes no mercado do álcool, mas para Pádua, “isso é muito pouco para o futuro”. Para ele, é preciso rever as regras – pois “as atuais não são sustentáveis” –, para garantir o fornecimento de etanol a preços mais estáveis, pois a produção está na casa dos 25 bilhões de litros e continua crescendo. E conclui seu raciocínio com perguntas: “como encarar o etanol, como commodity agrícola ou energética? O que fazer para dar segurança a todos os agentes e ao consumidor? (CCS)


 


Código de ética barra irregulares


 


Brasilcom adota código de ética para ajudar a moralizar o setor de distribuição de combustíveis.


 


Quanto mais o Governo se esforça para conter a sonegação fiscal, mais os criminosos encontram meios de violar a lei. “Eles são criativos e inteligentes, pois conseguem burlar um mercado forte, que é o maior arrecadador de tributos nos estados”, constata Jefferson Melhim Abou-Rejaile, diretor do sindicato das distribuidoras regionais (Brasilcom).


Ele conta que chegou ao seu conhecimento uma nova modalidade de sonegação, praticada por distribuidoras inidôneas. Trata-se das “armazenadoras de tributos”, empresas congêneres criadas por distribuidoras para receber créditos tributários que não foram pagos. Como não é responsável pelo pagamento de tributos, essa segunda distribuidora não pode ser considerada sonegadora e tampouco punida por esse crime. “É uma forma cruel, porque esconde dos agentes o beneficiário da sonegação”, diz Abou-Rejaile.


Lei deixa lacuna


Para o diretor do Brasilcom, a saída contra esse tipo de crime seria a concentração dos tributos no produtor. “Essa forma garantiria uma competição justa e isonômica, valorizando o produto etanol pelo que realmente é, e não pela ficção de preços existente hoje, que é fruto de um subsídio financiado pela sonegação e fraude, prejudicando os revendedores e distribuidores honestos”, afirma.


Essa proposta, a entidade discutiu a exaustão enquanto participou do grupo de trabalho do álcool, criado pelo Ministério de Minas e Energia. Entretanto, o Brasilcom viu suas expectativas frustradas com a aprovação da Lei 11.727/08, que consumou a divisão da cobrança de tributos entre a distribuição e o setor produtivo. “Evidentemente, esta lei foi uma grande evolução e a diminuição da carga tributária na distribuição reduziu o diferencial de preços entre quem paga e quem sonega. Mas esta lacuna ainda é muito grande”, afirma Abou-Rejaile.


Diante desse quadro, ele reconhece o esforço da ANP em envolver o mercado em todas as decisões, como a que propõe a regulação do etanol.  A criação de um novo agente seria um passo, a seu ver, para sanear as oscilações de preço do combustível, a partir da constituição de estoques reguladores. Porém, admite que não se pode esperar da ANP a resolução dos problemas de sonegação. “Esta não é função da agência e nem sua competência, ainda que esse seja o pior problema enfrentado pelo mercado”, declara.


 


Código de ética


De sua parte, o Brasilcom decidiu adotar uma postura mais rígida e criar critérios para a aceitação de novas distribuidoras associadas. Conforme o código de ética do sindicato, a empresa que desejar se filiar não pode ter sido beneficiada por liminar tributária ou ter deixado de pagar tributos ou, ainda, apresentado algum tipo de indício de fraude fiscal ou de qualidade.  “Nossa bandeira é muito valiosa e não pretendemos correr o risco de ter como filiada uma empresa que possa manchar ou atrapalhar essa luta”, diz o diretor. (MA)