por Elaine Paganatto


 


Dos cerca de 10 mil integrantes do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, apenas 220 são mulheres. Destas, somente 30 chegaram a oficiais na corporação.


Mas para a 1ª Tenente, Lizandra Donamore, isso se traduz num marco significativo, pois quando decidiu entrar para a carreira militar se deparou com um cenário ainda mais complicado. No Rio Grande do Sul, seu estado natal, as mulheres não se encontravam em condições de igualdade com os homens, sendo obrigadas, inclusive, a fazer curso paralelo. O tratamento era diferenciado na formação e no acesso à carreira.


O estado de São Paulo foi o pioneiro na questão de apoio à entrada e ascensão da mulher na organização militar. Foi por isso, que aos 16 anos, ela deixou a família em Uruguaiana (RS) e veio para São Paulo prestar o concurso para a academia da polícia militar. 


Foram alguns anos como policial militar, e muitas frustrações por conta da visão que a sociedade tem da polícia, “por mais corretamente que você desempenhe sua função”, observa. Formada em Educação Física, esportista e com ótimo condicionamento, decidiu migrar para o Corpo de Bombeiros, que é tida como a organização mais bem vista pela população. Segundo a última pesquisa da revista Readers Digest, os bombeiros têm 97% de votos como a organização em que as pessoas mais confiam.


Mas ainda havia uma barreira a transpor: tinha um medo terrível de altura. Após treinamentos e vários enfrentamentos, percebeu que o medo de altura é uma das fobias mais simples de serem curadas. Atualmente, com 11 anos de corporação é capaz de fazer Rapel num prédio de 30 andares como se estivesse a apenas alguns metros do chão.


Para se tornar oficial do Corpo de Bombeiros cursou quatro anos da academia do Barro Branco, mais um ano e meio de curso para oficiais. A Tenente Donamore desbravou esse universo masculino com garra e determinação, sendo pioneira em várias modalidades como: a única mulher oficial do Corpo de Bombeiros com curso de mergulho; a 1ª mulher a fazer o curso de guarda-vidas; a 1ª mulher na América Latina a fazer salvamento com aeronave e a 1ª mulher no Brasil a comandar homens em praia.


 


Batom nos lábios


 


Na época em que iniciou suas atividades, a população, assim como os homens da corporação, não estavam acostumados a ver uma mulher atuando no Corpo de Bombeiros, tampouco assumindo cargo de comando. “Num primeiro momento as pessoas podiam até ter dúvidas acerca de minha capacidade. Mas me sobressai, porque não queria ser uma profissional de nível médio, mas ser a melhor que podia”, salienta. Mesmo tendo passado por situações em que era necessário provar que estava apta a desempenhar o papel a que se propusera, ressalta que nunca sofreu preconceito por parte dos colegas de corporação. Hoje, como oficial, tem 90% de comandados homens e não encontra problema nenhum nessa tarefa. “Sei me fazer respeitar, mesmo com batom nos lábios. Tudo é uma questão de postura”, comenta.


Ainda que a população veja os bombeiros como heróis, a tenente tem uma visão bem mais simples da atividade: “Na minha opinião, não somos heróis. Acredito que o bombeiro seja apenas um executante de funções para as quais ele está altamente preparado. Por exemplo, há ocorrências em que as pessoas nos vêem em ação e acham muito difícil, mas fomos treinados para fazer aquilo”.


Treinamento adequado e preparo psicológico são o segredo para o bom desempenho do profissional. E isso não falta na corporação. De acordo com a tenente, diariamente as várias guarnições praticam exercícios físicos, por cerca de duas horas, inclusive com simulação de ocorrências.


Como lidar com a morte se o momento de glória de um bombeiro é resgatar uma vítima com vida? “Bem, dependendo do caso não me comovo. Veja não que tenha me tornado insensível. É que há situações e situações. Há casos em que atendemos jovens alcoolizados que acabam morrendo. Sou fria, porque ele foi negligente com sua vida. Claro que não encaro a morte como uma coisa normal, mas não é um sentimento que me toca de forma profunda nesses casos. O que me afeta é quando encontro uma vítima viva, faço todos os procedimentos e ela vem a falecer. Ou ainda, quando há crianças envolvidas. Nesses casos é complicado”.


Quanto a lidar com a própria morte, já que vive em situações limites, diz que tem medo de morrer, sim. Mas que ao lembrar que alguém está dependendo de seu esforço para o salvamento, esquece de tudo. Somente depois é que lhe passa pela cabeça que poderia ter morrido. 


A tenente mais antiga, e a próxima capitão da corporação, começa sua rotina administrativa às 8h30 e vai até às 18h15. Além disso, cumpre escalas operacionais de plantão para atender ocorrências, de quatro a cinco vezes por mês, quando entra às 7h30 saindo somente às 7h30 do dia seguinte. Por ser oficial não atende as consideradas ocorrências mais simples, mas as que envolvem várias vítimas.


Feliz com a profissão que escolheu, a Tenente Donamore reconhece que ser bombeira lhe trouxe satisfação, pois pôde fazer parte da vida de muitas pessoas que ajudou a salvar. “Isso não tem preço. Por mais que houvesse coisas ruins na minha profissão – e não há, é importante destacar - ter salvado uma vida já teria valido a pena”.


Para ela, esses anos de carreira lhe ensinaram muito e a transformaram numa pessoa bem mais segura. Com orgulho, costuma dizer que sua profissão é quase um prêmio, já que a fez vivenciar oportunidades únicas como mulher.