por Elaine Paganatto


  


O médico coordenador da Central de Transplantes da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, Dr.Luiz Augusto Pereira, fala sobre a doação de órgãos. Ele explica que ela ainda é uma coisa bastante complexa, do ponto de vista das peculiaridades que a envolvem, mas no que se refere à compreensão dos parentes de pacientes falecidos, felizmente pode atestar que há progressos.


Segundo o Dr. Pereira, atualmente cerca de 50% das famílias comunicadas da morte encefálica de seus entes acabam optando pela doação dos órgãos. Na Espanha, onde se fala sobre isso com freqüência, por exemplo, há apenas 20% de recusa. “Não há dúvidas de que quanto mais se divulga, mais a população se habitua com a doação”, observa. 


O médico acredita que se a sociedade estivesse acostumada a discutir assuntos dessa natureza, haveria menos resistência para a permissão da retirada dos órgãos.  Ocorre que o pouco conhecimento do assunto e a abordagem num momento de completo abalo emocional, pega a família de surpresa. Mais ainda porque pacientes com morte encefálica – esta, condição obrigatória para a doação - são geralmente jovens que sofrem graves acidentes e que estavam bem pela manhã e mortos à noite. “E, mais, é extremamente difícil para os pais aceitarem que o filho está morto, ainda que seu coração continue batendo”.


Exatamente porque o coração precisa estar em funcionamento para a retirada dos órgãos, é que a doação se torna uma absoluta corrida contra o tempo. A retirada dos órgãos somente podem ser feita após a constatação da morte encefálica do paciente - o que é feito, obrigatoriamente, por intermédio do laudo de dois médicos, com intervalo de seis horas cada um. Após essa etapa é feito exame gráfico complementar. O problema, que também pode atrasar o processo, é que nem todos os hospitais contam com esse equipamento de análise gráfica.


Esse é um dos motivos que faz com que “muitos casos passem despercebidos nas UTIs e sejam diagnosticados como coma profundo. Em situações assim, os órgãos que poderiam dar sobrevida a muitos pacientes das filas de espera, são desperdiçados por falta de conhecimento das equipes hospitalares”, destaca o Dr. Pereira.


Somente após esse exame gráfico, e a efetiva constatação da morte encefálica, ou seja, muitas horas depois é que a família é comunicada e deve decidir pela doação ou não.


Em caso de consentimento de doação é dado início a uma outra longa etapa de exames que atestem a qualidade de órgão por órgão. Isso ocorre porque a equipe que fará o transplante precisa ter segurança para aceitar o órgão, uma vez que ela é responsável pelo paciente receptor.


“O aproveitamento dos órgãos chega a 90% para os rins, cuja fila de espera é a maior com cerca de 8 mil pacientes atualmente -  e aproximadamente de  30% para o coração”, ressalta o médico. Muitas pessoas são salvas pelos transplantes. “Por isso”, ele insiste, “é preciso haver melhor conhecimento dos casos de morte encefálica por parte das equipes hospitalares. Se melhorarmos o conhecimento, aumentamos a divulgação e naturalmente elevamos o número de doadores”. 


 


Expressar a vontade


Mesmo com a falta de informação, o que conseqüentemente gera falta de comunicação às centrais responsáveis, o número de transplantes chega a 600 por ano, desde 2002. Em 98 foram realizados apenas 268.


Se as pessoas que desejam ser doadoras expressassem em vida para as famílias, facilitaria o processo de doação. Não é necessário deixar documento escrito, mas conversar acerca da vontade da doação fará com que a família se lembre e autorize a retirada dos órgãos no momento da comunicação da morte encefálica de seu parente, com a possibilidade de salvar muitas vidas.