Venda direta de etanol não trará benefícios

Medida poderá acarretar em aumento de preços para o consumidor, mais custos para o setor de combustíveis e risco de maior sonegação.

Apesar de contrariar os interesses de todo o setor de combustíveis, a proposta de liberação da venda direta de etanol por produtores aos postos de combustíveis está avançando. Duas notas técnicas da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) encaminhadas ao Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) oferecem argumentos à venda direta ao relatarem a concentração de mercado na distribuição de combustíveis e consequente elevação de preços em virtude da ausência de competitividade.

Um grupo de trabalho criado no âmbito do ministério da Fazenda, por meio da Portaria 466/2018, com a participação da ANP e do Ministério de Minas e Energia (MME), recomendou ao governo, no início deste ano, a edição de medida provisória ou projeto de lei para adaptar a tributação. A ideia é elevar o teto legal das alíquotas da contribuição para PIS/Pasep e da Cofins no elo da produção.

No final do ano, a ANP publicou nota técnica com a conclusão da Tomada Pública de Contribuição (TPC), promovida entre agosto e setembro, afirmando que “Não há óbices regulatórios para a venda direta de etanol”. Ocorre que esta conclusão não foi unânime na TPC. De acordo com a própria agência, das 32 sugestões recebidas de diversos players do setor, 16 se manifestaram contra a liberalização da venda direta, 13 a favor e 3 não se posicionaram.

Vale registrar que em meados de 2018, logo após a greve dos caminhoneiros, o Senado Federal deu aval ao Projeto de Decreto Legislativo (PDS 61/2018), de autoria do senador O o Alencar (PSD–BA), que defende a venda direta. O projeto susta o arti go 6º da Resolução ANP 43/2009, que proíbe a venda direta do produtor aos postos. Na Câmara, outro projeto que prevê a venda direta aguarda votação. Trata-se do PL 10.406/2018, de autoria do deputado Victório Galli (PSL-MT).

De acordo com analistas de mercado, a venda direta se tornará realidade se um dos dois projetos for aprovado ou se a ANP iniciar o processo para alterar as normas que impedem essa prática, começando pela audiência pública, que ainda não foi marcada. Enquanto isso, três estados obtiveram na justiça liminar para a venda direta de etanol hidratado das usinas para os postos: Rio Grande do Norte, Piauí e Ceará.

MERCADO REAGE
A posição da ANP tem causado “surpresa e perplexidade” às entidades do setor de combustíveis. Um manifesto divulgado no início de abril pela Federação Nacional de Combustíveis (Fecombustíveis), com o apoio do Sincopetro, classifica a venda direta como uma “aventura irresponsável”, se antes não forem corrigidos os problemas do mercado de distribuição e revenda, sobretudo a sonegação de impostos.

Para o setor de combustíveis, a proposta precisa de avaliação mais profunda antes de entrar em vigor. “Face ao alto valor dos tr

ibutos na formação dos preços dos combustíveis, superiores às margens de comercialização e logística, antecipar e induzir mudanças sem uma discussão prévia de seus impactos pode gerar um contencioso judicial não desejável e ampliar os desvios concorrenciais já existentes”, registra comunicado das entidades.

Em vez de beneficiar o consumidor, que é o objetivo do governo, os representantes do setor concluem que a medida traria prejuízos ao abrir espaço para a concorrência desleal.

Durante o período da TPC, o Sincopetro também expressou opinião contrária à liberação, alertando para os problemas que poderão acontecer se antes da mudança não forem corrigidas as graves distorções de ordem tributá-ria e concorrencial que assolam o setor. “Sem contar, ainda, com a dificuldade de se estabelecer, adequadamente, controles qualitativos e logísticos”, assinalou o presidente José Alberto Paiva Gouveia. Por fi m, ele sugeriu a realização de rodadas de negociação para encontrar soluções eficazes para a questão.

AUMENTO DE CUSTOS
A suposta redução de preço do etanol ao consumidor a parti r da venda direta não é garanti da, mas, ao contrário, pode até acarretar em mais custos, como mostra estudo realiza-do pela Leggio Consultoria. Segundo o estudo, o modelo de abastecimento usina-posto aumentaria em 24,7% o custo do transporte, o que representa R$ 181 milhões. No total, os custos extras seriam da ordem de R$ 870 milhões ao ano, envolvendo logística, operação e distribuição.

A consultoria concluiu que a mudança deslocaria a logística de abastecimento do etanol para o modal rodoviário, contrariando os pilares de eficiência adotados pelo Plano Nacional de Logística (PNL) e prejudicando a competitividade nos mercados nacional e internacional.

Por Márcia Alves